O terrorismo global pós Bin Laden

Caricatura: Dmítri Divin

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Enquanto alguns festejam o assassinato do ex-líder da Al Qaeda, outros temem uma nova onda de represálias. O que vai mudar no terrorismo global após a morte do seu principal símbolo?

A primeira resposta para a pergunta acima parece muito simples: nada. O terrorismo internacional, em sua vertente do fundamentalismo islâmico, é um aparato forte, difundido e, sobretudo, descentralizado. Dessa forma, a desaparição física do seu líder número 1 não tem interferência nos objetivos principais dos guerrilheiros. 

O terrorismo se apresenta hoje como a principal ameaça à estabilidade do sistema internacional. Isso se explica pelo risco que esse fenômeno leva à sobrevivência da figura do Estado-nação do modo como o conhecemos. As redes terroristas não possuem as mesmas qualidades dos países: não têm território nem fronteiras. Ainda assim, as potências mundiais não hesitaram em declarar guerra a elas.

Se os Estados Unidos estão liderando a guerra contra o terror, o fato é que não são os únicos nem os primeiros a sofrerem as conseqüências do fundamentalismo islâmico. A Federação Russa também conhece os efeitos deste mal social, provavelmente muito mais de perto, inclusive em sua própria sociedade. O que começou como uma disputa territorial no Cáucaso do Norte se transformou hoje em um dos focos mais importantes de terrorismo e uma das maiores ameaças à segurança russa.  

Os métodos para enfrentar essa ameaça se baseiam na cooperação internacional. Na esfera da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), a Rússia propôs ações pertinentes para encarar a questão. A internacionalização do problema representa para o país a possibilidade de lidar em vários níveis com possíveis soluções a esse problema tão complexo: a guerra contra o terrorismo é o principal objeto de cooperação entre o Kremlin e a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Depois de décadas de confronto entre si, hoje o Estado russo e a organização têm no terrorismo internacional um inimigo em comum. 

As redes terroristas não estão limitadas à Al Qaeda. No Cáucaso do Norte, o grupo predominante é encabeçado pelo fundamentalista Doku Umárov, autointitulado “Emir do Cáucaso”, a quem se atribuem os atentados às estações Park Culturi e Lubianka do metrô de Moscou, ambos no ano passado, além da recente explosão, em janeiro, no aeroporto Domodêdovo. Essas ações, mesmo não sendo as únicas promovidas por eles na Rússia, são as que mais ganharam visibilidade internacional por terem acontecido na capital russa.

A relação entre o terrorismo no Cáucaso do Norte e a Al Qaeda ficou comprovada após a incursão de mudjahidínes e enviados da rede terrorista na guerra da Tchetchênia a partir de 1999. Hoje em dia, o contexto social e internacional não é mais o mesmo, mas o discurso e a justificativa para a luta pelo poder continuam iguais nas diferentes redes que pretendem levar a cabo a Jihad internacional por meio de atentados terroristas.

A questão principal é saber se a morte de Bin Laden vai mudar algo nesse cenário. A princípio, essa nova realidade não significa uma mudança de mentalidade ou alterações na estrutura da organização terrorista: o ex-líder da Al Qaeda não cumpria funções de gerenciamento, mas sim atuava como uma espécie de guia espiritual do fundamentalismo islâmico. O acontecimento que realmente marcou o cenário de “antes” e “depois” na luta contra o terrorismo foi o pronunciamento do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que confirmou o feito.    

Esse acontecimento evidencia a necessidade de mudanças na política antiterrorista da principal potencial mundial, que até o momento se baseava na busca daquele que era considerado a grande ameaça à sua segurança. Durante o governo Bush, o limite às liberdades cívicas e pessoais dos americanos foi justificado por essa incessante investigação. Agora, cumprida a missão, os dirigentes em Washington deverão rever essa política e planejar a continuidade das ações contra o fundamentalismo internacional. Para Obama, isso poderá dar a ele o acesso à sua reeleição.

O Kremlin recebeu a notícia da morte de Bin Laden com alegria e destacou a importância de continuar a luta contra o fundamentalismo, mostrando-se disposto a reforçar a cooperação entre os países. As declarações do presidente americano, que definiu o mundo como um lugar mais seguro após o assassinato do ex-líder da Al Qaeda e que “a justiça foi feita”, geraram muitas reações na sociedade ocidental e nos governos. Alguns questionaram a legalidade desses atos e outros alertaram sobre a instabilidade que eles podem gerar no sistema internacional.

Além disso, a própria festa feita pelos americanos para comemorar o feito provavelmente aumentou o ressentimento por parte do fundamentalismo islâmico, o que leva a supor que isso resultará em uma nova onda de atentados com o intuito de vingar a morte do seu principal líder. Isso afeta diretamente a Rússia, vítima cotidiana desse tipo de ataque, que não tem intenção de expandir o terror, menos ainda dentro de suas fronteiras. 

Em suma, longe de ser uma vitória definitiva, o assassinato de Osama Bin Laden traz um futuro ainda muito mais incerto para o cenário internacional. É possível que hoje o fundamentalismo islâmico encontre mais justificativas para continuar sua atividade com mais força e violência, o que multiplicaria a possibilidade de novos atentados.

Sergio G. Caplan é o pesquisador do Centro Argentino de Estudos Internacionais (CAEI)

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