As três esferas dos BRICS

Caricatura: Dmítri Divin

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“Os BRICS se tornará realmente um instrumento de influência sobre a política mundial nas mãos dos países em desenvolvimento”, afirma Serguei Vassiliev, presidente da Câmara de Comércio Brasil-Rússia

Tudo indica que Jim O'Neill, do grupo Goldman Sachs, repetirá o caminho dos grandes visionários do passado, cujas ideias acabavam virando realidade. Os BRIC (BRICS após a adesão da África do Sul), uma sigla artificial criada por ele para facilitar a leitura de seus textos analíticos, vem se tornando um mecanismo genuíno e funcional de influência do mundo em desenvolvimento no sistema econômico mundial.

“A crise de 2008 e 2009 se tornou um divisor de águas tanto dentro do grupo como nas suas relações com o mundo exterior”, afirma o presidente da Câmara de Comércio Brasil-Rússia Serguei Vassiliev, um dos participantes da reunião de cúpula dos BRICS realizada no ano passado na China. “Durante a crise, verificou-se que esses países se mantiveram muito estáveis ao longo da crise. Os países do G7 deixaram de ser o motor da economia mundial. Os membros dos BRICS, em particular, e o mundo em desenvolvimento, no âmbito geral, tomaram para si essa função”, completa.

A recente adesão da África do Sul tornou o grupo realmente global: agora, nele estão representados todos os continentes do planeta. “Por se tratar de uma união mundial, a diferença de interesses não é fundamental. Pelo contrário, pois talvez a vantagem seja exatamente o fato de que cada um dos países enxerga o mundo por seu próprio ponto de vista. E essa troca de opiniões pode ser bastante útil”, avalia Vassiliev.

No período da crise, o membro dos BRICS mais prejudicado foi a Rússia, que sofreu uma das quedas mais sensíveis da última década em seu PIB. O especialista, porém, considera que, desde o início do século, o país obtém um ritmo bastante estável de crescimento econômico. Além disso, está à frente das demais nações nesse quesito. “A Rússia representa 3% do PIB mundial. Mesmo em seus melhores dias, a União Soviética possuía 8%, sendo que a maior parte dos países em desenvolvimento era simplesmente miserável na época”, declarou o entrevistado.

Vassiliev considera que os BRICS se tornou autossuficiente e, de suas políticas, dependerá a situação mundial em pelo menos três esferas: finanças mundiais, consumo de energia e mercado de alimentos. “Ele surgiu em um cenário de tendências extremamente negativas no sistema financeiro mundial e de enfraquecimento das posições de todos os centros monetários mundiais: EUA, a Europa e o Japão. Na realidade, o grupo está diante de um dilema: insistir na reforma do sistema financeiro mundial – e na tentativa de aumentar a participação de suas moedas na balança do FMI – ou criar seu próprio mecanismo, alternativo ao do Fundo Monetário Internacional”, garante.

Na opinião dele, Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul possuem os recursos financeiros necessários para escolher a segunda alternativa. “A dúvida não tem a ver com dinheiro, mas sim com praticidade: um fundo próprio significaria a criação de um órgão supranacional de controle, o que seria um enorme desafio”, ressalta.

Vassiliev afirma ainda que, independentemente da escolha dos BRICS, o sistema financeiro internacional deverá passar por uma transformação, com o aumento da importância do ouro. “O dólar não será substituído num futuro próximo, embora as perspectivas da moeda americana sejam incertas. Assim, é muito provável que o ouro novamente terá o seu espaço. A China ainda não é um país forte o suficiente para que o yuan se torne a moeda internacional e dificilmente isso acontecerá nos próximos dez anos. Isso não significa que o mundo voltará ao antigo padrão ouro, que existia até 1973. Mas é inevitável que seu papel se torne mais importante”, explica.

Quanto à influência dos BRICS sobre o consumo de energia, o presidente da Câmara de Comércio Brasil-Rússia admite que a disposição da China e da Índia de utilizar mais ativamente tecnologias e fontes alternativas vai depender da balança energética do planeta.

Segundo ele, o perigo reside atualmente no fato de que os dois países se encontram em uma etapa primária de industrialização, na qual não apenas a economia cresce, mas também o uso de eletricidade. E a balança energética planetária anda bastante tensa. O crescimento econômico da China, de 10% ao ano na última década, resultará em um inevitável aumento nos preços desses recursos. É ainda necessário lembrar que a Índia, a Rússia, a China e o Brasil são as maiores potências continentais, de cujos recursos ambientais todo o mundo depende.

No que se refere à agricultura, Vassiliev destaca que 42% da população mundial vive nos países dos BRICS, que ocupam 26% da superfície do planeta. A forma pela qual se dará a dinâmica de produção e utilização de produtos agrícolas nos países do grupo dependerá fundamentalmente do mercado internacional de alimentos. Para o analista, os principais fatores de tensão são a rápida urbanização de China e Índia e o aumento abrupto dos padrões de consumo, que deverá provocar um crescimento acelerado da demanda por artigos do gênero nos próximos cinco a dez anos.

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