Brics on Brics

Foto: PhotoXpress

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O professor de estratégia e administração da Fundação Dom Cabral e diretor acadêmico do programa de educação executiva “Brics on Brics” esteve na Escola de Administração de Skôlkovo no final de fevereiro para uma master class sobre mercados emergentes. Drummond, que é economista com PhD em Administração em Cambridge, recebeu a Gazeta Russa em Skôlkovo para uma conversa sobre educação, investimentos e mercados emergentes.

O que é o Brics on Brics?


O Brics on Brics é um programa de educação executiva, não um MBA, nem um título, feito em parceria com quatro escolas. O conceito é a ideia de que os Brics e outras economias emergentes têm tido um crescimento econômico muito maior que os países tradicionais como Estados Unidos e, principalmente, Japão, e que hoje são uma fonte super importante de crescimento para uma empresa multinacional, o que tende a aumentar cada vez mais. A gente ainda quer, ao longo do tempo, estreitar e fazer mais alianças, e estamos fazendo também pesquisas juntos, fazendo análises comparativas dos países etc.

Quantos inscritos tem o programa?


Essa é a primeira turma, e tem 24 pessoas: 19 brasileiros, três russos, um americano e um argentino. Entre os chamados brasileiros, na verdade, está toda a diretoria da FIAT da América Latina, então tem também dois italianos. Nosso objetivo é chegar, daqui a uns dois ou três anos, a um grupo de 40 pessoas.

Como funciona?


O programa neste ano começou em Nova York com três dias de teoria, e viagens para esses quatro países Bric – os participantes devem escolher pelo menos dois deles -, uma semana em cada. O final será junho, em Paris, onde será feita uma comparação dos países.

Quais os principais conceitos do Brics on Brics?


Nosso desenho segue um conceito básico de três pilares. Em primeiro lugar vem o mercado, ou potencial de mercado, além do comportamento do consumidor. A vantagem dessa união de escolas é que elas conhecem seus próprios países neste âmbito. É muito diferente uma escola americana falar do Brasil e nós falarmos do Brasil. Essa margem de mercado não são apenas dados econômicos, mas entender o comportamento do consumidor local. Na Índia, por exemplo, nós vamos até as casas de famílias para ver o que eles consomem, que tipo de produtos eles têm em casa etc. O segundo é a cadeia de valor. Por exemplo, um carro tem seu desenho feito em um país, algumas peças feitas em outro, o que é super comum hoje e a própria China faz um monte de peças, o motor é desenvolvido em outro lugar... Então é preciso olhar para esses países como parte de uma cadeia de valor mundial, de modo a tirar proveito da organização mais vantajosa, seja fazendo pesquisa na Rússia ou montagem na China. E o terceiro pilar é a prática de gestão, que é a influência da cultura do país nas práticas de como a empresa é gerida - primeiro na mentalidade dos gerentes e dos trabalhadores e segundo em liderança etc.

Como vai ser o programa de Skôlkovo no Brasil?


Os inscritos de Skôlkovo vão para o Brasil na semana de 21 de março. Eles passam por Belo Horizonte, onde está a Fundação Dom Cabral, que conduz o projeto deles lá, São Paulo e Rio para visitar empresas e ter algumas aulas sobre cultura brasileira e competitividade do Brasil. O objetivo é ter contato com empresas e executivos no país. Por isso, eles devem visitar a Natura, onde poderão conversar sobre o tipo de consumidor da marca, o porque desse sistema de venda por representantes, sem lojas etc. A ideia da visita não é ver a operação, porque uma fábrica na Rússia ou no Brasil não têm muita diferença, mas conversar com quem trabalha lá. Por exemplo, quando o Brics on Brics estava no Brasil, um dos nossos convidados foi o presidente do Grupo Pão de Açúcar, que contou toda a história da ascensão da classe C no Brasil, o tanto que o Pão de Açúcar penou para conseguir vender... Foi ótimo, ele foi super franco.

Como estão as relações comerciais bilaterais Brasil-Rússia hoje?


Brasil e Rússia que são dois países muito grandes que têm muitas similaridades, têm muitos recursos naturais - diferente de Brasil e China que têm uma relação mais complementar. Mas essas relações estão aumentando. Por exemplo, só o fato de haver um acordo que nos isenta de visto para cá, acho que isso tudo é uma intenção de fomentar o comércio, uma relação maior entre os países. Os Brics são países completamente diferentes, mas seus presidentes já se encontraram aqui na Rússia, no Brasil e neste ano vão se encontrar na China. Eles querem aumentar as relações comerciais entre si, mas também ver se há interesses comuns que possam defender, mesmo em termos políticos internacionais etc.

O fato de o governo colaborar, também ajuda as empresas a terem proximidade e derrubar barreiras entre os países no comércio. Em Skôlkovo, agora no aniversário da escola, será inaugurado um espaço do Brasil, virão empresários brasileiros para cá etc.

No ano passado se falava de uma queda da Rússia dos Brics. Qual sua opinião?


Realmente em 2009 a Rússia encolheu cerca de 6% na economia. O Brasil encolheu quase 1%, e a China e a Índia cresceram pouco. O Brasil já se recuperou e no ano passado cresceu 7,5% em relação ao ano anterior. A Rússia também parece ter crescido bastante no ano de 2010, e a perspectiva é boa para os próximos dois anos. O fato é que são esses países são que estão puxando o crescimento da economia mundial, e se recuperaram muito mais rápido que a Europa e os Estados Unidos. Nem todo mundo sabe, mas hoje mais de 50% do comércio dos países emergentes é feito entre os próprios países emergentes. É China com Brasil, com Rússia, com Índia, com Nigéria, com África do Sul, com Turquia... Isso também é interessante para mostrar que comércio não é só vender matéria-prima para os países desenvolvidos.

Mas esses países também apresentam pontos negativos para os investimentos...


Tem algumas questões institucionais que não são tão consolidadas como na Europa ou Estados Unidos. Eu não gosto de dizer que falta, porque algumas coisas são simplesmente diferente. Não é porque um americano não reconhece o jeito que o Brasil ou a Rússia é que quer dizer que aqui ou lá esteja errado. Evidentemente também tem a questão de pobreza dos países, o que é um problema, mas é também um potencial de crescimento, pois significa que há um mercado consumidor a ser incorporado. Uma das coisas que tornou possível esses países saírem da crise mais depressa foram exatamente seus mercados internos. O Brasil finalmente descobriu que é muito melhor ter classe média do que ter pobreza. E existe também, em graus maiores e menores, uma questão de risco político. Acho que nesse ponto o Brasil está melhor do que os outros três, porque não tem guerra, é o único que não tem problemas com seus vizinhos, e também não tem disputa interna.

Corrupção


A corrupção também é um problema. O professor da Indian School of Business Reuben Abraham falava sobre isso hoje aqui. Ele disse que, na Índia, a corrupção em alto nível, de muitos milhões de dólares, aumentou muito e a corrupção em pequeno nível está diminuindo muito, e que isso, para a população, estava muito melhor, porque ela não tem mais que pagar para fazer as coisas mínimas. A eficiência de governo é um problema imenso nesses países, trazendo um custo imenso. No caso do Brasil isso aos poucos tem melhorado. Eu trabalho numa instituição de educação executiva e o governo tem virado um grande cliente nosso, porque mais e mais tem políticos usando eficiência de gestão pública como plataforma política, coisa que seria impensável algum tempo atrás. Se hoje nós falamos com naturalidade, qual político iria dizer há 5 ou 6 anos: “minha plataforma é melhorar a eficiência do Estado”? Eles falavam só de alimentação, transporte.

Como a FDC e o Brics on Brics trata o assunto? 


No Brasil a gente até brinca muito dizendo que somos muito críticos de nós mesmos. Por exemplo, na aula que eu vou dar em Skôlkovo vou sobre os problemas de infraestrutura do Brasil etc. Isso pode ser uma imensa oportunidade para uma empresa russa de construção, por exemplo, mas ela tem que saber que vai enfrentar essas dificuldades.

Em Skôlkovo os alunos desenvolvem projetos para o setor público. Como é na FDC?


Hoje, o que nós temos tido muito são programas para empresas governamentais, como a Embrapa, BNDES, Tribunal de Contas da União etc. e até para governos mesmo. A gente já fez um treinamento grande para o governo de Minas Gerais, e hoje faz para o governo do Espírito Santo, para a prefeitura de Rio Branco, no Acre, na Bahia... Temos muitos programas in company, feitos para uma empresa, para empresas públicas. Isso cresceu absurdamente nos últimos 3 ou 4 anos.

Como essas escolas voltadas para os Brics podem ajudar esse grupo de países?


A colaboração entre as escolas de negócios é interessante porque pode ajudar também numa aproximação dos países, porque as ideias são discutidas de forma aberta - talvez numa visita comercial as pessoas escondessem tudo. Numa instituição educacional o objetivo é ajudar as coisas a melhorarem, então colocar esses países juntos pode aproximar a fomentar uma relação melhor. Discutindo com o Reuben Abraham hoje, nós pensávamos que tipo de mudança pedagógica a gente pode fazer desses países para serem diferentes de países desenvolvidos. Isso porque a gente tem uma maneira diferente de estudar, de ser mais próximo da realidade, já que nossos números são muito próximos, muito mais urgentes. Quando a gente lida com escolas americanas ou europeias, normalmente há um certo distanciamento. Não que a gente não tenha para aprender com eles, mas podemos inovar e fazer coisas à nossa maneira, e a aproximação das escolas desses países pode acelerar isso.

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