Sem esse papel, você não é ninguém

Espécie de “passaporte interno”, registro atrapalha a vida e a carreira de muitos russos/Foto: ITAR-TASS

Espécie de “passaporte interno”, registro atrapalha a vida e a carreira de muitos russos/Foto: ITAR-TASS

Corte em impasses burocráticos para mudanças de residência e viagens dentro do país passa a vigorar em 1º de janeiro do ano que vem.

O passaporte interno russo – documento equivalente ao registro geral brasileiro – foi criado durante o período stalinista como método de controle de migrações internas no vasto território da União Soviética. O método arcaico de registro, entretanto, prejudica até hoje a vida de muitos cidadãos russos.

Para qualquer um que planeje se mudar para outra região do país, alterar o registro pode virar um pesadelo burocrático. Afinal, ser residente de alguma área próspera do país, em especial Moscou, proporciona, por exemplo, o direito de frequentar algumas das melhores escolas e de obter assistência médica e aposentaria de qualidade, difícil de se encontrar no restante do país.

Recentemente, a relações-públicas Olesia Melnikova, 28 anos, foi abordada por um policial, que pediu para ver seu passaporte interno pouco antes de ela pegar um voo para a Itália. Atraída por um salário maior e pela oportunidade de trabalhar com clientes estrangeiros, ela se mudou de sua terra natal Omsk, na Sibéria, para a capital russa há cinco anos. Quando o policial descobriu que Melnikova não era registrada como residente de Moscou, arrastou-a para uma delegacia. “Sem esse papel, você não é ninguém!”, disse ele. 

Incentivo à corrupção

Como parte dos contínuos esforços pela modernização, o governo russo anunciou que a obtenção do registro deve se tornar muito mais simples. “O passaporte interno não tem futuro como documento legal”, disse o chefe do FSM (Serviço Federal de Migração), Konstantin Poltoranin.

Num futuro próximo, o cidadão russo poderá alterar seus dados de residência até pelo correio ou pela internet. Mas, enquanto isso não ocorre, problemas relacionados a tais registros continuam influenciando a vida e a carreira dos russos.

Leonid Pokrishkin, 30 anos, nasceu em Nijni Novgorod, mas é executivo na área de TI em um grande banco de Moscou. Segundo ele, foi necessário quase um ano para obter um novo passaporte internacional desvinculado de seu passaporte interno. “Tinha uma viagem importante de negócios para os Estados Unidos, e só após quase um ano, finalmente, recebi meu passaporte”, conta Pokrishkin. A justificativa para o atraso era que o executivo estava registrado em uma cidade e trabalhava em outra.

Em uma recente enquete promovida por um órgão independente, o Centro de Pesquisas de Opinião Pública Russo, metade dos entrevistados afirmou ter enfrentado longas filas para obter um novo registro. Um em cada quatro classificou as horas comerciais dos escritórios de registro como inconvenientes; 23% reclamaram do mau atendimento e 12% afirmaram terem sido obrigados a apresentar documentos não listados por lei e forçados a subornar os funcionários. Por fim, 10% disseram que o direito de alterar o registro foi negado pela instituição.

“Ao manter o regime de passaporte interno em vigor, o Estado está claramente estimulando a corrupção”, afirmou Serguei Smirnov, diretor do Instituto de Política da Escola Superior de Economia da Rússia.

O governo espera que as mudanças resultem num fluxo de mobilidade atualmente inexistente no país, de acordo com o economista-chefe do Banco Mundial para Europa e Ásia Central, Indermit Gill. Segundo ele, um russo médio se muda, no máximo, duas vezes em toda a vida, enquanto norte-americanos podem se mudar até 13 vezes durante sua vida profissional.

“Não acredito que suspender os requisitos para o registro iria estimular a migração interna”, diz Smirnov.

“Para que as pessoas circulem livremente entre as cidades, deve haver um mercado imobiliário com preços acessíveis. Além do mais, ao contrário dos Estados Unidos, nossas regiões são extremamente diferentes umas das outras, o que dificulta a adaptação”, acrescentou o chefe do departamento da Academia Russa de Ciências do Instituto de Sociologia, Vladímir Mukomel. “Privilégios sociais não funcionam, e as pessoas não têm motivação para mudarem de cidade e enfrentarem todas as dificuldades que isso implica”, completa.

O moscovita Artiom Sokolov, 27 anos, assim como boa parte da população da Rússia, quer se ver livre do registro. “A mentalidade soviética não irá desaparecer da noite para o dia, mas temos que começar por algum lugar”, afirmou. Nascido e criado em Moscou, Artiom trocou a capital por Pavlovsk, região nos arredores de São Petersburgo, há dois anos. “Quando cansar daqui, vou mudar para outro lugar. Tudo de que preciso para trabalhar é uma conexão de internet rápida, um telefone e um computador. Fora isso, sou  livre como um pássaro”, afirmou. Espera-se que a burocracia não o engaiole.

O que muda a partir de janeiro


Não será mais necessário pedir permissão para efetuar o registro temporário. Além disso, a notificação pode ser feita pela internet e a presença do dono da residência não será mais necessária para efetuá-la.

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