Rumo à parceria estratégica

A realização de mais um encontro da VI Comissão Intergovernamental Brasil-Rússia de Cooperação (VI CIC Brasil-Rússia), em 7 e 8 de outubro, promoveu discussões em diversas áreas: cooperação econômica, comercial, industrial, financeira, científica, tecnológica, cultural, educacional, esportiva, energética, de uso pacífico da energia nuclear, de uso pacífico do espaço exterior e técnico-militar. Depois desses debates, volta-se a indagar se, efetivamente, as relações bilaterais estão em níveis da chamada “parceria estratégica”.

Por ora, sou forçado a dizer que ainda não, apesar de, absolutamente, não haver tempo para lamentos, uma vez que entendo que os resultados dos trabalhos nas reuniões deste mês foram concretos. Prova disso é a extensão dos temas debatidos, todos relacionados em uma ata final, já à disposição do público. Antes ainda, diversos dispositivos foram dispostos num acordo-quadro assinado no âmbito da visita oficial que o presidente Lula realizou à Rússia em maio, e cujos desdobramentos já podem ser claramente percebidos no presente.

Como importante instrumento de apoio e suporte à formação de joint-ventures e transferências tecnológicas multidisciplinares, já existem diversos dispositivos existentes nos dois países que podem facultar um rápido incremento e adensamento das relações bilaterais. Em linhas gerais,  são acordos de cooperação entre os respectivos bancos de desenvolvimento (BNDES e Vnesheconombank) e bancos centrais (em breve poderemos começar a realizar transações comerciais em moedas nacionais), de uniformização de normas técnicas (acordos entre o Inmetro e o Gosstandard, análogo russo), na área do turismo e real estate (que deve crescer exponencialmente, dada a abolição bilateral de vistos, e os futuros voos diretos entre Moscou e Rio de Janeiro), no âmbito cultural (serão assinados num futuro próximo acordos sobre co-produções audiovisuais e de incremento das relações literárias), e em

outras esferas de interesse bilateral.

Além disso, há a sustentação de dois elementos que dão um grande diferencial, ainda mais se comparados ao relacionamento entre o Brasil e outros países: existe complementaridade econômica, pois nossos setores produtivos quase não competem entre si, e há uma inequívoca vontade política de aproximação entre os nossos mais altos dignitários.

O fato de o intercâmbio comercial bilateral ter caído nos últimos 18 meses, face à crise internacional e à baixa do preço do ‘crude’ (bastante prejudicada, a Rússia ainda depende em boa parte das receitas desta commodity), em nossa visão absolutamente não interfere na potencialidade gigantesca de que concretamente atinjamos a condição de parceiros estratégicos em um prazo relativamente curto - algo entre 3 e 5 anos. O ingresso de investimentos nas respectivas economias, e a formação de joint-ventures entre grandes empresas dos dois países, auferem possibilidades de que sejam alavancados enormes avanços, e que possamos atingir a meta de uma relação de investimentos de US$ 50 bilhões em até 10 anos.

Para ilustrar, menciono as brasileiras JBS, Metalfrio e Marco Polo, que já têm plantas industriais na Rússia. E agora é iminente a chegada de gigantescos players russos no Brasil, como Gazprom, o consórcio CNP, formado por Rosneft, LUKoil, Zarubezhneft, TNK-BP e TMK IPSCO (a maior fabricante mundial de tubos para gasodutos), esses todos de olho no pré-sal. Há ainda a Mechel (siderurgia e carvão), a Power Machines (turbinas e geradores de energia), além da perspectiva de abertura de agências de bancos russos no Brasil, como o VTB e o Vnesheconombank (Banco de Relações Econômicas Externas).

Deve também ser considerada a grande importância da chegada na Amazônia nos últimos meses dos primeiros helicópteros de patrulhamento e ataque MI-35, um fato que representa uma quebra de paradigmas, pois o Brasil até então só operava com equipamentos militares norte-americanos e europeus.

Vislumbra-se hoje a abertura de uma unidade russo-brasileira de montagem de dirigíveis, que poderão cumprir diversas finalidades de interesse estratégico do Brasil: desde o monitoramento de fronteiras e de linhas elétricas, logística e transportes de cargas e passageiros, passando pelas áreas de sensoriamento remoto, turismo, propaganda e marketing, e até mesmo cumprindo papéis que cabem a satélites de comunicações.

Em meados de setembro, durante a realização do maior evento bienal do setor de óleo e gás no Brasil, ouvi de um alto dirigente de uma grande empresa brasileira que os diálogos com os russos já duravam quase quatro anos, e que avanços concretos ainda não tinham ocorrido, apesar da realização de muitas visitas e da clara demonstração de interesse que vem sendo dada pela empresa que esse representa, principalmente considerando o extraordinário e crescente potencial de oportunidades que esse segmento tem proporcionado a empresas do mundo todo. Minha ponderação foi a de que estamos no “timing” certo, principalmente considerando-se que são vários os grupos russos que estão aportando no Brasil e que certamente a chegada mais ágil desses foi protelada em virtude da crise internacional, que acometeu a Rússia de forma mais incisiva do que o Brasil.

Em resumo, o caminho a ser percorrido é bastante longo, e certamente haverá arestas grandes a serem aparadas, sendo talvez a mais importante a falta de maiores informações por parte de nossos povos e das respectivas comunidades empresariais a respeito do riquíssimo mosaico de oportunidades de empreendimentos passíveis de serem realizados em um curto prazo.

Aponto também como fato importante a barreira linguística, razão pela qual urge a realização de intercâmbios acadêmicos entre universidades e órgãos superiores de ensino russos e brasileiros, assunto que foi debatido com a necessária profundidade durante o encontro e incluído na ata final dos trabalhos.Em diversas reuniões entre dirigentes da Câmara Brasil-Rússia tem sido recorrente o tema da necessidade de implementação de um programa de melhor divulgação da imagem dos respectivos países.

Em conclusão, reitero algo já dito acima: não há tempo para se lamentar por eventuais descaminhos tomados no passado. Decifrados e compreendidos os erros, mãos à obra!

Gilberto F. Ramos é presidente da Câmara Brasil-Rússia de Comércio, Indústria e Turismo

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