O país na hierarquia dos sapatos

Quando cheguei à Rússia pela primeira vez, em 1993, todo mundo sabia que eu era estrangeiro graças aos meus sapatos. Naquele momento, a maioria da população local ainda usava sapatos de plástico fajutos, que haviam dominado a moda dos calçados durante o período soviético.

Hoje, os russos já subiram bastante na cadeia de consumo. Bons sapatos figuravam entre os primeiros artigos importados para a Rússia – junto com outros produtos que chegaram ao país logo após a queda da Cortina de Ferro e que vão desde papel higiênico a calças jeans, computadores e malas de viagem.

A Rússia, que estava muito atrás na corrida tecnológica, passou a importar uma enorme quantidade de computadores assim que houve a liberação para tal. Um representante da empresa de malas de viagem Delsey, ao chegar ao país, no começo da década de 1990, dizia:  “As pessoas geralmente compram malas de viagem uma vez na vida, então é preciso que a gente se mexa rápido”.

Mas foi depois que Vladimir Putin tomou posse, em 2000, que as coisas realmente decolaram. A renda  da população aumentou em 10%. Paralelamente, surgiu a novidade representada pelo consumo por crédito, que veio em 2001 e significou para os russos a multiplicação de seus salários em inúmeras parcelas.

A população saiu freneticamente às compras, adquirindo televisões de plasma gigantes e aparelhos celulares minúsculos que há anos eram cobiçados. E esse jogo já tomou proporções ainda maiores. A compra de carros aumentou absurdamente e o volume de financiamentos imobiliários dobra a cada mês desde o verão.

Graças à crise econômica, a atenção dos investidores voltou-se para mercados emergentes, grupo no qual a China e sua população de 1,3 bilhão de pessoas são a grande atração nos negócios (a Rússia possui 142 milhões de habitantes). A China registra um crescimento no PIB (Produto Interno Bruto) de 10% ao ano, enquanto a Rússia crescerá cerca de 4,5% no mesmo período.

Essa comparação em larga escala, no entanto, omite um aspecto crucial na comparação dos mercados: embora a China possua tantos habitantes, quantos deles são, de fato, consumidores de peso?

Consideremos alguns outros aspectos. De acordo com o banco de investimentos russo Troika Dialog, cerca de 68% da população da Rússia pertence à classe média, uma estimativa alta, segundo outros analistas. Na China, essa faixa representa apenas 13% da população. A renda per capita na Rússia gira em torno de US$ 12 mil por ano contra US$ 4 mil na China. A taxa de pobreza na Rússia é de 13% (cerca de 18,5 milhões de pessoas), enquanto na China atinge 50% da população (ou 600 milhões de pessoas). Apesar do tamanho territorial do país asiático, a Rússia claramente possui o maior grupo de consumidores de todos os países do Bric. Mais do que isso, o crescimento da renda per capita no país do leste europeu é de duas a três vezes mais rápido do que o de seu rival mais próximo, o Brasil, e está bem à frente da China e da Índia.

Em outras palavras, a maioria dos chineses ainda está comprando chinelos, enquanto os russos planejam  investir em um novo apartamento. É óbvio que, a longo prazo, a China irá vencer a corrida, já que a maioria dos agricultores passarão a usar telefones celulares, carros e televisores, e vão adquirir, assim, características próprias de moradores de cidades urbanas. Porém, ainda vai demorar gerações até que a China consiga alcançar o padrão de renda da Rússia. Em 2050, um russo médio será duas vezes mais rico que um chinês no mesmo patamar, segundo cálculos do Banco Mundial. 

O mais surpreendente é que o consumidor russo já está começando a competir com os seus adversários do Ocidente. De acordo com a empresa de pesquisa de mercado ACNielsen, as filiais moscovitas da marca de móveis sueca Ikea e da rede de supermercados francesa Auchan já são as mais rentáveis e lucrativas lojas do mundo de ambas as companhias. Observemos o outro extremo da balança: o índice de pessoas que vivem na linha de pobreza (ou abaixo dela) na Rússia caiu de 17%, em 2009, para 14,7%, neste ano – e permanece em declínio.

Por outro lado, países como os Estados Unidos apresentaram em 2009  taxa de pobreza de 14,3% e que continuam em ascensão.

Se você fosse um homem de negócios, em qual mercado investiria?

Ben Aris é editor da revista Business New Europe e vive na Rússia há 17 anos

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