O alto preço do carvão

Noventa mineiros morreram no acidente de 8 de maio em Raspádskaya; o episódio chamou a atenção das autoridades para as condições de segurança no setor/Foto: Ivan Secretarev_AP

Noventa mineiros morreram no acidente de 8 de maio em Raspádskaya; o episódio chamou a atenção das autoridades para as condições de segurança no setor/Foto: Ivan Secretarev_AP

Enquanto mineiros russos arriscam suas vidas para atingir metas e ganhar bônus, uma nova legislação para proteger seus direitos é estudada pela assembléia.

Baixo e troncudo, Valeri Kozelskikh é um mineiro orgulhoso e um aposentado pensativo. Seus ombros largos e antebraços grossos são testemunho de uma vida de intenso trabalho braçal. Nas costas, o homem de porte ligeiramente encurvado carrega um legado de 34 anos passados em condições precárias no fundo da terra em Raspádskaya, a maior mina de carvão russa e um buraco negro que foi fonte de sustento de uma região inteira.

Na Rússia, a mineração é uma carreira familiar e perigosa. Em 2002, Kozelskikh perdeu o sobrinho de 21 anos num acidente de mineração. “Depois de uma tragédia assim, é assustador descer para o fundo da mina, mas pouco a pouco a gente se acostuma”, conta.

A mina Raspádskaia, onde ocorreu o desastre de maio; a região de Kemerovo impulsiona as tradições mineradoras russas/Foto: Reuters/Vostockphoto



O mais recente desastre, ocorrido em 8 de maio deste ano, custou a vida de mais 90 mineiros e aconteceu na mina de Raspádskaia, uma das maiores bacias carboníferas do mundo, responsável por 10% do carvão de coque nacional. O episódio fez com que a mina fosse fechada indefinidamente e reacendeu a discussão sobre a segurança dos mineiros do país. 

Agora, em vez de mineiros surgindo na noite após o trabalho, o local está tomado por famílias que fazem velórios à luz de velas e moradores enfurecidos que atacam a polícia a pedradas.

Os mineiros não aceitam o modo como são tratados pelas empresas e já reclamam com protestos públicos há muitos anos.  A primeira onda de revolta varreu o país em 1991, mas as manifestações continuam até hoje.

O mais alarmante é que as seguidas tragédias não impedem que novas gerações de mineiros surjam para substituir as antigas e descer às profundezas da terra em Kuzbass, perdendo muito de sua vida lá embaixo e enfrentando quaisquer que sejam os riscos do trabalho.

“Os mineiros se acostumam com o trabalho, e é uma pena perder um emprego destes”, defende Valeri Kozelskikh.

Seu filho, Evgueni, dá continuidade à tradição da família e é quem o mantém em dia sobre os últimos acontecimentos na mina. “Gostaria que meu filho fosse mineiro também. É um trabalho honesto e estável para um homem”, afirma. 

Lucro 

Segundo o governador Aman Tuleiev, ao contrário de quase todos os outros setores da economia russa, a produção de carvão no polo industrial de Kuzbass não foi afetada pela crise financeira mundial. Pelo contrário, nos primeiros dois meses de 2010, cresceu 17%.

Analistas industriais ressaltam que a corrida pelo aumento da produção e pelos bônus dela decorrentes são uma mistura que pode levar a desastres.

Com as bonificações, os operários podem dobrar o valor de seus salários, que atualmente varia entre 10 mil a 20 mil rublos por mês, algo em torno de R$ 570 a R$ 1.140. Por isso, o fracasso no cumprimento de uma meta resulta em um desfalque financeiro direto para os mineiros.

Recentemente, o mineiro Boris Refko contou à Rádio Europa Livre que sempre violava regras de segurança para aumentar a produção e ganhar mais bônus. Refko não é exceção e histórias essa são recorrentes.

Segurança

No caso da mina de Raspádskaia, apesar dos proprietários alegarem que os níveis de metano estavam dentro do padrão normal, o acúmulo do gás parece ter provocado a tragédia. Explosões menores ecoaram nos dias que se seguiram ao fato, o que coloca em dúvida as afirmações dos responsáveis.

O acúmulo de metano dentro da mina pode ter provocado a explosão, mas a empresa responsável alega que os níveis do gás eram considerados normais/Foto: Sergei Ponomarev_AP



O principal motivo das explosão, porém, pode ter sido a imprudência nas condições de segurança locais.

Nas minas russas tende-se a ignorar sensores de metano, elemento que se torna explosivo em concentrações de 5% a 15%, sendo ainda mais perigoso em 9,5%. O caso está sob investigação.

De acordo com analistas do setor, a Evraz, coproprietária da mina, investiu cerca de R$ 2,2 bilhões nos últimos anos em Raspádskaia.

A empresa também declarou  gastar de 3 a 6 bilhões de rublos (cerca de R$ 190 milhões a R$ 380 milhões) por ano em inovações. “Padrões rigorosos de segurança sempre foram uma prioridade”, disse o porta-voz Alexander Andreiev.

O Instituto de Pesquisa de Segurança no Trabalho Industrial de Moscou afirma que a segurança dos mineiros sempre dependeu da disponibilidade de dinheiro das companhias e que as consequências da imprudência só vêm à tona depois de acidentes trágicos. 

Apesar do índice de segurança no setor de mineração da Rússia ser melhor do que o da China, por exemplo, onde milhares de mineiros morrem anualmente em acidentes, o país ainda está bem longe dos melhores do ranking, que inclui Alemanha, Estados Unidos, Austrália e Canadá.

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