‘Converse soviético’ de volta à moda

Com preço mais alto e público-alvo diferente, tênis resguarda nostalgia soviética

Com preço mais alto e público-alvo diferente, tênis resguarda nostalgia soviética

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Por duas décadas, quase todo mundo na URSS usou os tênis Two Matches, de cidadãos comuns a celebridades, cosmonautas e atletas. Graças a um jovem empreendedor moscovita, o lendário calçado retorna com estilo às vitrines.

O 6º Festival Internacional da Juventude, em 1957, arrastou nada menos que 37 mil estrangeiros a Moscou. Na época, muitos exibiam seus incomuns ‘sapatos de sola de borracha’, atraindo olhares estupefatos dos cidadãos soviéticos nas ruas.

A nova tendência pegou rapidamente e, em 1960, a URSS começou a produção em massa de tênis – logo, a invenção estrangeira se tornou calçado do dia a dia. Vinte anos depois, já na década de 1980, os tênis passaram a ser vistos como inadequados. Mas, como a moda é cíclica, na Rússia, assim como em grande parte do mundo, há um apelo crescente por conforto e despojamento – e, assim, uma nova “tênis-mania”.

Foto; Press photoFoto: Divulgação

O original

“Eu estava procurando por um produto com uma identidade nacional russa para enfatizar nossos esforços positivos. Os modelos de tênis dos anos 1970 eram perfeitos para isso”, diz o moscovita Evguêni Raikov, 28 anos, que acaba de restabelecer a produção dos tênis Dva Miatcha (“Duas Bolas”,  em tradução livre), marca que remonta aos dias de URSS.

No entanto, não seria correto se referir aos originais Dva Miatcha como sendo puramente soviéticos, já que o produto era fruto de uma parceria com chineses. Não é a toa que os tênis produzidos por Raikov também são feitos na China.

Para iniciar os trabalhos no país vizinho, porém, Raikov teve de desenvolver o projeto localmente durante dois anos, aprendeu chinês e investigou a fundo o procedimento para reintroduzir as tecnologias utilizadas na época da URSS.  “Até mesmo as pontas dos cordões são metálicas, não de plástico, tal como nos velhos tempos”, diz Raikov.

Os cidadãos soviéticos ficariam surpresos se descobrissem que esses tênis estão na moda agora – da década 1960 em diante eles foram se tornando escassos. Naquela época, custavam apenas 4 rublos, preço ligeiramente superior ao da vodca.

“Na URSS, os tênis eram percebidos como calçados para esportes e caminhadas longas”, diz a historiadora de moda Galina Ivankina. “Ninguém os via como peça para compor um look da moda”, acrescenta. Ainda assim, todo mundo exibia o seu par: desde crianças em idade escolar e jovens ao famoso cosmonauta Iúri Gagárin.

A popularidade do tênis soviético chegou ao fim na década de 1980, quando os  modelos estrangeiros apareceram na URSS e viraram febre entre frequentadores de discotecas e festas. Os da época sonhavam com Adidas e, logo, o calçado soviético foi sendo associado com ‘fracassados’ que não tinham acesso a bens de fora.

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Novo de novo

“Hoje, esse tipo de calçado definitivamente combina com a juventude e seu estilo”, diz Ivankina. “Uma adolescente que conheço achou que os tênis pretos usados por um personagem do seriado soviético ‘Aventuras de Elektronik’ estavam na moda. Mas, quando o filme foi feito, ninguém acreditava que o protagonista era um almofadinha.”

Embora novos, os modelos recém-lançados conservam todas as características autênticas, exceto o nicho de mercado que ocupam. Enquanto na URSS eram vistos como um calçado prático e barato, um par de Dva Miatcha é hoje vendido por 4.000 rublos (US$ 60), e os calçados são descritos no site oficial como “um tributo tanto à herança socialista como à nostalgia por qualidade que se espalhou em todo o mundo”.

O preço do produto gerou controvérsia entre usuários da rede social russa VKontakte, que discutem se “um pedaço de tecido sobre solado de borracha deva custar tanto”. Há ainda quem acuse Raikov de descaradamente lucrar com a nostalgia das pessoas pela URSS. Mesmo assim, mais de mil pares foram vendidos desde o início de julho. E, segundo o novo fabricante de Dva Miatcha, os compradores nostálgicos de meia idade compõem apenas 30% da clientela, sendo o restante composto por jovens que não viveram sob o regime soviético.

“Meu tio deu uma olhada no meu tênis e disse que eles são, de certo modo, diferentes. Ele tinha modelos mais simples: esses são mais extravagantes”, diz Artiom, que já aderiu à tendência. “Na rua, as gerações mais velhas notam apenas os tênis sujos – é assim que eles são lembrados”, diz outro comprador, chamado Denis.

Os clientes demonstraram satisfação com a qualidade e o conforto do produto, mas, por vezes, a aparência sofre críticas. “O design é bruto”, diz um comentário no site.

Raikov, no entanto, não considera isso uma desvantagem. “A União Soviética tinha uma grande escola de design e fomos os primeiros no planeta em termos de construtivismo. Devemos perpetuar essas tradições”, afirma. E, quando questionado sobre o mais ressuscitaria da moda soviética, o empresário é categórico: “A moda de abertura, da simpatia e da boa ingenuidade soviética”.

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