Brejnev, da estabilidade à estagnação

Brejnev durante férias no sul da Rússia em 1971

Brejnev durante férias no sul da Rússia em 1971

AFP/EAST-NEWS
Governo soviético de quase duas década foi marcado por contrastes.

Leonid Brejnev permaneceu no comando do Partido Comunista Soviético por 18 anos. Esse longo mandato é agora lembrado, dependendo do ponto de vista, como uma era de estabilidade ou um período de estagnação durante o qual os soviéticos flertaram com as últimas ilusões sobre as ideias comunistas.

“Quando ele morreu, em 1982, havia o sentimento de que o mundo estava ruindo”, conta advogada Irina Soloviova, que na época tinha apenas 18 anos e até então só havia vivido sob o regime de Brejnev.

“Eu tinha certeza de que ele viveria para sempre”, lembra Soloviova. “O comunismo, as gravatas vermelhas [do movimento juvenil de escoteiros] e Brejnev faziam parte de  nossa realidade soviética”, continua.

Servo comunista

Brejnev foi nomeado para chefiar o Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e, por extensão, todo governo, em 1964. Pouco antes, a liderança do partido havia derrubado o então secretário-geral, Nikita Khruschov, por sua reputação excêntrica, que segundo alguns, teria conduzido o país a uma grave crise.

Os contemporâneos recordam Brejnev como o oposto de Khruschov: um funcionário responsável e previsível. “Ele era um apparatchik [termo coloquial que designa um funcionário em tempo integral]; na verdade, ele era um servo do PCUS”, descreveu o assessor de Brejnev, Aleksandr Bovin.

No entanto, o ex-líder soviético teve de percorrer um longo caminho até chegar à mais alta posição do partido: nascido na Ucrânia, começou trabalhando como engenheiro, depois lutou na Segunda Guerra, e, mais tarde, conseguiu um posto no governo. Embora não fosse uma personalidade excepcional, trabalhava diligentemente.

Segundo o historiador Aleksandr Filippov, que é autor de um livro sobre a história da Rússia de 1945 a 2006, Brejnev teria sido nomeado chefe do Comitê Central devido à sua posição neutra: assim, várias facções do partido tinham esperança de manipulá-lo. O político, porém, provou ser um jogador independente e nomeou uma equipe de pessoas com ideias semelhantes para os cargos de confiança.

Boom do petróleo

Em seus primeiros anos no comando, Brejnev começou a implementar parcialmente o plano de reformas econômicas proposto por Aleksêi Kosíguin, o então presidente do Conselho Soviético de Ministros. O projeto, que preconizava a introdução de certos elementos da economia de mercado, revelou-se eficaz: a economia soviética crescia a um ritmo acelerado no final da década de 1960.

Mais tarde, porém, Brejnev reverteu grande parte das reformas por causa do ciúme de Kosíguin. “Sobre o que ele está falando? Reformas, reformas... Quem precisa delas, quem vai nos entender?”, teria dito Brejnev em relação às ideias de Kosíguin, como recordaram seus contemporâneos em outra ocasião.

Na década de 1970, a economia soviética era em grande parte dependente do status reconquistado como uma nação rica em recursos naturais. A crise de 1973, que viu os preços do petróleo subirem 20 vezes, permitiu à URSS ganhar somas significativas ao fornecer petróleo bruto à Europa.

A indústria petrolífera russa dos dias de hoje foi, inclusive, formada na era Brejnev. No entanto, mesmo naquela época, a dependência do país em relação às exportações de petróleo era um grande risco: a posterior queda dos preços do petróleo, no final da década de 1980, prejudicaria seriamente a economia local.

Kosíguin (esq) e Brejnev durante cerimônia na Praça Vermelha Foto: Vladímir Musaelian/TASSKosíguin (esq) e Brejnev durante cerimônia na Praça Vermelha Foto: Vladímir Musaelian/TASS

Paz forjada

No final da década de 1960, a União Soviética e os Estados Unidos haviam atingido paridade nuclear, e ambas as partes entendiam que a aniquilação mútua era garantida em caso de guerra. Segundo Filippov, essa percepção levou os dois países a iniciar o que ficou conhecido como détente: o abrandamento das relações internacionais.

Em 1972, Brejnev e o então presidente dos EUA, Richard Nixon, assinaram o SALT-1 (Tratado de Limitação de Armas Estratégicas) e o Tratado de Mísseis Antibalísticos. As relações soviético-norte-americanas melhoraram durante algum tempo, mas, no final dos anos 1970, Moscou e Washington voltaram à retórica de ameaças.

Segundo Aleksêi Pijikov, pesquisador sênior da Academia presidencial russo da Economia Nacional e da Administração Pública (Ranepa), a aproximação entre os países foi prejudicada pela guerra afegã, em 1979, quando a União Soviética enviou um “contingente limitado” de tropas ao país árabe.

“Os líderes soviéticos precisavam de uma guerra vitoriosa para reavivar as ideias da Internacional Socialista. Mas o Afeganistão provou ser uma catástrofe”, diz Pijikov, acrescentando que a invasão soviética ao Afeganistão perseguia dois objetivos: proteger as fronteiras do sul da URSS e elevar o prestígio internacional do país.

As tropas soviéticas permaneceram no país até 1989, e mais de 13 mil militares foram mortos durante esse período.

Brejnev (esq) e Nixon no intervalo de negociações Foto: TASSBrejnev (esq) e Nixon no intervalo de negociações Foto: TASS

Distanciamento popular

O povo soviético vivia relativamente bem sob o governo de Brejnev devido ao boom econômico e à ausência de tumultos internos. “Tínhamos nossas vidas planejadas e sabíamos que o país cuidaria de nós se fosse necessário”, diz Soloviova. “Estabilidade é a principal palavra para descrever os sentimentos na era Brejnev. E, talvez, tédio.”

No entanto, a estabilidade oferecida por Brejnev, que também era vista por alguns como estagnação, acabou sendo uma bomba-relógio para o próprio governo.

“A era Brejnev foi marcada pela ascensão da nomenklatura [como se designava a ‘burocracia’, ou ‘casta dirigente’ da URSS]”, diz Pijikov.

Durante esse período, a elite do partido perdeu o contato com a população e se transformou em um elenco exclusivo, mantendo um nível de vida com muito mais prosperidade do que o povo soviético comum.

“A confiança das pessoas em uma vida justa, no futuro brilhante pelo qual as gerações anteriores trabalharam e, por vezes, morreram, estava diminuindo”, diz o acadêmico. Segundo Pijikov, a liderança conservadora do partido, incluindo Brejnev, tinha medo de mudanças e preferia a estabilidade às reformas. Assim, os problemas da economia planejada soviética continuaram sem solução e continuaram se acumulando.

Mais tarde, já no final dos anos 1980, essa tendência resultou no colapso do sistema e na desintegração da União Soviética.

Brejnev e líder iugoslavo Josip Broz entre outros amigos Foto: TASS Brejnev e líder iugoslavo Josip Broz entre outros amigos Foto: TASS

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