Tesouro naufragado do Hermitage é alvo de controvérsia com Finlândia

Pinturas que seriam incorporadas ao Hermitage foram adquiridas em leilão

Pinturas que seriam incorporadas ao Hermitage foram adquiridas em leilão

Panthermedia / Vostock-photo
Submersa há 245 anos, coleção de obras avaliada em 1,5 bilhão de euros havia sido encomendada por Catarina 2ª, mas acabou no fundo do mar junto com navio de carga.

Obras de arte de valor inestimável que seguiam para São Petersburgo e foram perdidas a bordo de um navio que afundou no mar Báltico, em meados do século 18, ainda são alvo de disputa entre Rússia e Finlândia e, talvez, jamais sejam recuperadas. A embarcação holandesa Frau Maria, que, entre outras cargas, transportava quadros da coleção do comerciante Gerrit Braamkamp, adquiridos pela imperatriz russa Catarina 2ª para o Hermitage, afundaram há 245 anos na costa da atual Finlândia.

Os destroços do navio foram descobertos por mergulhadores finlandeses em 1999, perto das Ilhas Aland, entre a Finlândia e a Suécia. Desde então, os tesouros, que ainda estariam no fundo do mar, são motivo de discórdia entre russos e finlandeses.

Diário de bordo

De acordo com o diário de bordo do navio, que é mantido nos arquivos da cidade finlandesa de Turku, o navio embarcou em sua última viagem, de Amsterdã a São Petersburgo, no dia 5 de setembro de 1771.

A embarcação transportava diferentes tipos de carga, desde açúcar a vestuário e outros itens de luxo, bem como 27 obras de mestres holandeses do século 17, entre eles Gerard ter Borch, Adriaen van de Velde e Gerrit Dou.

Os quadros haviam sido adquiridos em um leilão em Amsterdã, conforme instruções pessoais da tsarina, pelo embaixador russo na Holanda, príncipe Dmítri Golitsin.

A rota do filibote, tipo de veleiro de origem holandesa, pressupunha que a embarcação navegasse mais ao norte, através do mar Báltico, para evitar as perigosas águas finlandesas com seus fundos rochosos, porém, saiu do curso e bateu nas rochas.

O diário de bordo descreve que o navio se tornou incontrolável durante uma tempestade; diante da gravidade, a tripulação inteira se reuniu para uma oração.

Depois de evacuarem em botes salva-vidas para uma das ilhas próximas, os marinheiros se aproximaram novamente do filibote naufragado, em 7 de outubro, na tentativa de resgatar o máximo de carga possível.

“Descobrimos que metade do andar superior estava debaixo d’água. Nós salvamos tudo o que conseguimos”, lê-se no diário.

No dia seguinte, o resgate de objetos teve de ser interrompido devido às condições meteorológicas. Ao inspecionar o local do naufrágio em 9 de outubro, a tripulação percebeu que já não era mais possível conduzir qualquer operação.

1 carga, 4 proprietários

O destino do navio foi então esquecido, até que, na década de 1970, o historiador sueco Christian Ahlström encontrou dados sobre o Frau Maria em arquivos finlandeses.

No verão de 1999, uma expedição finlandesa sob o comando do Rauno Koivusaari descobriu os destroços do navio a 11 km da ilha de Jurmo, no mar do Arquipélago (parte do mar Báltico entre os golfos de Bótnia e da Finlândia). Os pesquisadores perceberam então que a carga não havia sido danificada durante o incidente.

Como o valor total das obras a bordo do Frau Maria poderia chegar a 1,5 bilhão de euros, empresários russos e suecos começaram a planejar o resgate dos quadros. No entanto, surgiram também dúvidas sobre a quem pertenceria a carga do navio.

No total, quatro Estados teriam a possibilidade de reivindicar o conteúdo presente no Frau Maria – a Holanda, que detinha o veleiro; a Suécia, em cujo território (na época) aconteceu o naufrágio; a Rússia, como o país ao qual a carga era destinada; e a Finlândia, a quem pertencem as ilhas do mar do Arquipélago atualmente.

De acordo com a legislação finlandesa, no entanto, se um navio e sua carga permanecerem em águas territoriais da Finlândia por 100 anos, o país torna-se seu único proprietário legal. Este prazo irá se expirar em dezembro de 2017, quando o país nórdico celebrará o centenário de sua independência.

Tentativas de resgate

As autoridades russas tentaram resgatar as pinturas ainda no século 18. Quando a notícia sobre o desastre chegou a São Petersburgo, o governo russo pediu à Suécia permissão para atuar no local.

Na época, o chanceler Nikita Panin escreveu a seu homólogo sueco, Ulrik Scheffer, que “a bordo [no navio] havia várias caixas de pinturas valiosas pertencentes a Sua Majestade Imperial”.

As tentativas de resgate, suspensas no inverno por causa das condições climáticas, foram renovadas em meados de 1772, mas a tecnologia de então não permitiu que a operação fosse bem-sucedida.

Após a descoberta dos destroços, em 1999, a questão veio à tona novamente, e os especialistas russos propuseram uma investigação conjunta com os finlandeses. As negociações, conduzidas desde 2008, foram, contudo, encerradas três anos mais tarde, quando a Finlândia anunciou oficialmente que rejeitava os planos de recuperar o navio.

Novas perspectivas

Especialistas russos em arqueologia subaquática têm convicção de que o único obstáculo para a recuperação das obras encontra-se na legislação finlandesa.

O contra-almirante Konstantin Chopotov, membro da comissão sobre o Frau Maria da Rosokhrankultura (agência de proteção do patrimônio cultural), acredita que o resgate seria relativamente fácil se não houvesse obstáculos jurídicos.

“Trazer o Frau Maria à superfície não é uma tarefa difícil, o navio está no raso, e as águas do mar Báltico são frias – isto é, não existem pragas que comprometam a boa conservação da madeira”, explica.

“É claro que a carga a bordo do navio poderia ter sido parcial ou totalmente saqueada ao longo dos mais de 200 anos, mas, se as pinturas ainda estiveram por lá, elas estão embaladas em tubos, e, assim, podemos assumir que estão em total segurança.”

Segundo Chopotov, o filibote em si não apresenta valor científico nem histórico.

Com a agência de notícias Tass

Quer receber as principais notícias sobre a Rússia em seu e-mail?
Clique aqui para assinar nossa newsletter.

Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.

Este site utiliza cookies. Clique aqui para saber mais.

Aceitar cookies