"Estou apaixonado por São Paulo e seus problemas", diz Mirochnitchenko

Ria Novosti
Documentarista fala de planos e de acordos assinados enquanto esteve na cidade como jurado do festival É Tudo Verdade.

Membro do júri do festival É Tudo Verdade, que ocorreu em abril em São Paulo, o documentarista russo Serguêi Mirochnitchenko, 60, fez a estreia mundial de seu filme oficial das Olimpíadas de Sôtchi no evento. Declarando-se apaixonado por São Paulo, ele disse que planeja filmar no país e, durante sua estadia, celebrou acordo com a agência de fomento SP Cine para intercâmbio de filmes nos circuitos de cinema dos dois países e estudantes. Ele conversou com a Gazeta Russa sobre seu novo título e os novos laços que estabeleceu entre Brasil e Rússia:

Como você decidiu fazer a estreia mundial de "Aneis da Vitória" (2016) no Brasil?

Acordei com o diretor do festival, Amir Labaki, de exibir, às vésperas das Olimpíadas, o filme feito sobre os últimos Jogos de inverno de Sôtchi. Sei que há um cansaço sobre o tema nos países que recebem o evento, antes e depois dele, mas quando o retrato dos esportistas que participam dos jogos se torna uma crônica inestimável, suas qualidades artísticas prolongam a vida do evento. Porque, gostem ou não dos componentes políticos da [diretora alemã Leni] Riefenstahl, seus filmes são tão talentosos que assistimos sempre e se tornaram fenômenos históricos e artísticos. Da mesma forma aconteceu com o filme de Lelouch sobre Grenoble etc. Há cinco ou seis desses títulos que se tornaram fenômenos artísticos, e é nessa lista que eu quero que meu filme entre.

Falando em Riefenstahl, ela também filmou estadistas a seu tempo, entre eles Hitler, e você também o fez no seu "Pútin Desconhecido"...

A Riefenstahl fazia um cinema político que tinha que levantar o ânimo do povo alemão, e era um período fascista. Eu filmei em 1999, Pútin era ainda um jovem homem e não era presidente. E eu filmei as eleições, como elas são conduzidas e como uma pessoa que ainda não está no poder torna-se parte dele. Meu filme recebeu o prêmio de Leipzig, de Nova York, entre outros. O diretor do filme sobre as eleições de Kennedy, [Richard] Leacock, me cumprimentou no festival, porque é importante fazer um filme não sobre os elementos políticos, mas os humanos.

O filme "Primary" foi uma inspiração quando você filmou "Pútin Desconhecido"?

Não, eles seguem linhas um pouco diferentes. Não posso dizer que foi esse filme que me inspirou. Então, vivíamos uma situação muito complicada no país, estava em curso a Guerra da Tchetchênia, havia um caos econômico, e eu queria entender como uma pessoa poderia sair dessa situação, e também o que a pessoa adquire no poder e o que ela perde.

E o que você entendeu ao filmar essa obra?

Entendi que chegava ao poder um homem incomum, talentoso e com conhecimento de línguas estrangeiras - já que, por um período muito longo, após Nicolai 2°, foi o primeiro líder que podia falar fluentemente uma língua brilhante, que é o alemão, e também o inglês. 

Entendi que ele é decidido e um protagonista interessante. Filmá-lo é uma alegria para um documentarista. Ele não escreve discursos, ele reage muito rápido a perguntas inesperadas, cabeludas. Não sei como e quando acabará sua carreira, mas queria filmar como serão seus últimos tempos de trabalho no Kremlin e lhe perguntar de novo como será o período posterior, o que ele ganhou e o que ele perdeu. 

E você acredita que isso acontecerá em breve?

Não sou profeta e não trabalho no Kremlin, mas haverá eleições. Dizem que os russos não são independentes. Eu acredito que sejamos um povo amante da liberdade e escolhemos quem queremos. 

No século 20, trocamos o governo duas vezes, quando ele não nos agradava, por meio de revoluções. Não acho que em qualquer outro país isso tenha acontecido de forma tão fácil. Duas vezes em um século. Não somos escravos, isso é algo inventado. 

Você disse que queria também filmar no Brasil...

Sim, eu quero muito. Acontece que o cineasta deve se apaixonar, e, muito sinceramente, eu estou apaixonado pelo Brasil. Gosto muito das pessoas, muito abertas, e mais próximas de mim. Elas não estão acima de mim, nem abaixo, não tem escravidão nelas e não nada de transcendental. Estou apaixonado por São Paulo, e por todos seu problemas - vejo isso tudo -, e também por essas pessoas brilhantemente talentosas, sua orquestra, sua arte, seu festival de cinema... Aqui há vida! Outros países podem ser mais ricos, mais calmos, mas isso tudo acabou por lá.

Você pode falar um pouco sobre o acordo que fechou com o SP Cine? 

A União dos Cineastas Russos e a SP Cine preparam uma troca de filmes para exibição nos circuitos de cinema e também o intercâmbio de estudantes de cinema. Já fiz isso com escolas holandesas, suecas, britânicas e polonesas. Então, os britânicos por exemplo, foram para a Rússia e filmaram três curtas documentários ou até "mockumentaries" sobre a Rússia, e os russos foram para a Inglaterra filmar sobre lá. E, mais importante, as equipes se ajudavam, os russos e os estrangeiros. Isso aumenta o conhecimento da língua, amplia a visão do mundo, e aí a Rússia já não é mais só "urso, vodca e Pútin". É música, cinema, pintura, cultura, engenharia, espaço. E o Brasil também não será mais só café, mulher bonita e futebol. É algo muito mais amplo. 

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