Kabakov lista objetos da URSS que o país já apagou da memória

Escritor contemporâneo apresenta símbolos expressivos do estilo de vida soviético.

Redinha para cabelo

Foto: divulgação

“Touca de fio elástico que tinha por objetivo conservar em perfeito estado o cabelo dos homens que haviam aderido a um corte curto. Geralmente era vestida depois de o cabelo ser lavado, enquanto ainda estava úmido. Raramente os homens repartiam o cabelo no meio, era mais comum usarem o cabelo repartido de lado ou, como diziam na época, à moda inglesa. Mas a maioria penteava o cabelo para trás, de maneira uniforme. De qualquer forma, a redinha era um sinal de vaidade. Em cada apartamento comunal havia um velho solteirão, um ‘playboy comunal’. E era ele que podia ser visto pela manhã com a redinha na cabeça.” 

 Cigarreira

 “Atualmente, fumar está se tornando um hábito cada vez mais raro. Mas até 30 atrás quase todos fumavam. Prova disso são os filmes soviéticos nos quais os protagonistas, tomados por profunda preocupação antes de uma reunião decisiva do Partido Comunista, fumavam na cama, correndo sério risco de provocar um incêndio. 

Eis o herói deitado, ele usa uma camiseta que hoje costuma ser chamada de “alcoólica” [camiseta regata que recebeu esse apelido, pois foi associada aos homens que vestidos com essas camisetas ficavam bebendo e jogando dominó nos pátios dos prédios de apartamentos].

O homem de ‘camiseta alcoólica’, com um corte de cabelo estilo militar ou moicano moderno e com um cigarrinho da marca ‘Belomor’ ou ‘Kazbek’, deita-se e fuma um cigarro atrás do outro. Um pires sobre a sua barriga faz papel de cinzeiro.

Pessoas de bom gosto usavam cigarreiras de couro, geralmente obtidas na qualidade de troféu. Depois, à medida que os cigarros foram entrando na moda, as cigarreiras desapareceram.”

Telogreika

“Eu quero cantar um hino de louvor e, ao mesmo tempo, expressar o amargo ressentimento em relação a quão injusto foi o destino da telogreika [jaqueta acolchoada] russa. Muitas das qualidades dessa peça podem ser consideradas análogas às dos jeans americanos. Entre elas, a praticidade, a versatilidade e o conforto. Aliás, jeans e telogreika é uma ótima combinação.

Foto: G.German/RIA Nóvosti

Mas eu só conheço uma pessoa que usou essa combinação corretamente. Foi [o fotógrafo, jornalista, escritor e ator russo] Iúri Rost. Ele andava de jeans americanos de boa qualidade e telogreika; no lugar do cinto, usava uma corda. É uma pena que essa combinação não obteve uma adesão em massa.

Enquanto os jeans conquistaram o mundo inteiro, a telogreika não conseguiu ultrapassar os limites da URSS. Ela era uma vestimenta dos soldados; os prisioneiros também vestiam telogreikas, só que, de tão rasgadas, era difícil de reconhecê-las.”

Galochas

“Com raras exceções, até mesmo as galochas das pessoas mais ricas eram desgastadas e rasgadas. Tinham que ser tiradas com frequência e, quando eram vestidas novamente, enfiava-se nelas o pé com o sapato e tudo. O forro, geralmente de feltro vermelho vivo, rapidamente arrancado – literalmente umas duas semanas depois. 


Foto: I.Búria/RIA Nóvosti

Em seguida, era a vez da borracha, que rasgava no calcanhar. As galochas começavam então a ganhar uma aparência bastante desleixada. Na época, os vilarejos encontravam-se em situação de miséria, e os moradores das zonas rurais fugiam para as cidades. Chegando lá, as mulheres trabalhavam para as famílias como empregadas  domésticas. Geralmente, eram elas que cuidavam da aparência dos calçados masculinos e alertavam os donos das galochas para o fato de que estava na hora de substituí-las.” 

Fogão Primus

Foto: Mikhail Kliméntiev/RIA Nóvosti

“Nas cidades não eram muitas as casas abastecidas com gás, e os alimentos deviam ser preparados em fogareiros a querosene ou em fogões Primus. Os dois possuíam mais ou menos a mesma estrutura. Mais tarde, surgiu o ‘fogão a querosene’: era essencialmente o mesmo queimador, mas com pulverização mais eficiente do querosene em combustão. 

O fogão Primus, o fogareiro a querosene e o fogão a querosene estiveram todos presentes nas cozinhas comunitárias. Quando à noite as pessoas retornavam do trabalho e chegava a hora do jantar, era possível ouvir um ruído constante – o barulho do fogão Primus é um símbolo característico da vida comunal soviética.” 

 

Aleksandr Kabakov é autor dos romances "Nevozvraschenets" (Desertor) e "Beglets” (Fugitivo).

 

Publicado originalmente pelo Lenta.ru

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