Armtorg: a janela para a indústria de defesa soviética

Joia da indústria aeronáutica americana, bombardeiro pesado B-17 quase foi para nas mãos dos soviéticos Foto: U.S. Air Force

Joia da indústria aeronáutica americana, bombardeiro pesado B-17 quase foi para nas mãos dos soviéticos Foto: U.S. Air Force

Ao sair da sangrenta guerra civil, Rússia soviética teve que buscar meios de recuperar o atraso bélico.

A parte europeia do país estava em ruínas. Embora o Exército tivesse aumentado numericamente durante a guerra civil, o nível de armamento existente se encontrava no mesmo patamar que o dos países vizinhos, que estavam longe de serem potências militares avançadas.

Para se ter uma ideia, segundo os oficiais do Estado-Maior soviéticos, em caso de uma grande guerra europeia em 1927, bastariam os exércitos da Polônia e da Romênia, com o apoio material da Grã-Bretanha e da França, para destruir por completo o Exército Vermelho.

Só havia uma saída para a situação: era preciso construir uma nova indústria militar do zero. No entanto, a tecnologia e o desenvolvimento no Ocidente já estavam muito à frente. Enquanto na Rússia os vermelhos e os brancos matavam uns aos outros, os europeus conceitualizavam a experiência da Primeira Guerra Mundial, que marcou o início de uma nova era em assuntos militares. E ninguém desejava compartilhar esse know-how com os bolcheviques.

No final da década de 1920, a economia soviética já tinha se recuperado, e o governo conseguira angariar fundos para comprar grandes quantidades de equipamento militar no exterior. Quando, em 1929, a Europa e os Estados Unidos mergulharam nas profundezas da Grande Depressão, o ouro russo veio a calhar.

Arma diplomática

Nos primeiros anos de existência, a URSS não mantinha relações diplomáticas com muitos países do Ocidente e, por isso, teve que criar empresas privadas para iniciar as relações comerciais com o exterior. Na Inglaterra, por exemplo, a empresa Arkos operava desde 1920. Já nos EUA, as atividades comerciais em nome do governo soviético eram feitas pela empresa Amtorg.

Era pela Amtorg que passavam todas as questões relacionadas com a cooperação técnica entre a URSS e os EUA, desde a seleção de exemplares de tecnologia militar até a organização de viagens dos engenheiros soviéticos às fábricas norte-americanas. Mais do que tudo, era necessário adquirir dos americanos equipamento de aviação.

Ainda em 1922, os projetistas soviéticos tiveram acesso a um motor da marca Liberty, a partir de um avião norte-americano que havia sido capturado como troféu de guerra. Ele se distinguia por sua confiabilidade e qualidade de construção, portanto, foi decidido que seria copiado e produzido em série nas fábricas de Moscou. No entanto, um único exemplar não era suficiente – sem falar dos quilos de documentação técnica, peças de reposição e outros atributos valiosos que faziam falta.

A tarefa para encontrar tudo isso foi confiada à Amtorg, que recebeu uma generosa quantia para realizar o trabalho: US$ 1,5 milhão. No entanto, os diplomatas soviéticos se depararam com problemas de outra natureza. Em primeiro lugar, a empresa com participação soviética era olhada com desconfiança e ninguém estava disposto a vendê-la prontamente grandes lotes de equipamento.

Truques do capitalismo

A Amtorg teve que aprender a lidar com a “arte capitalista” de criar empresas temporárias. O primeiro lote de motores Liberty e 350 conjuntos de ignição foram adquiridos por meio do negócio de fachada “Gabinete Zaustinski”. Mas em poucos anos foram fechados contatos diretos e esse tipo de artifício deixou de ser necessário.

Foto: divulgação

Graças à Amtorg, toneladas de carga entraram na URSS. Para o seu transporte, o Comissariado do Povo para o comércio exterior teve até que organizar um serviço especial. Só em 1925 foram comprados dos EUA instrumentos de aeronáutica no valor de US$ 400.000. Livros, desenhos técnicos, álbuns e manuais de fábricas americanas eram enviados para a União Soviética em contêineres.

Em 1929, a Amtorg intermediou a entrada nos EUA de um oficial da Força Aérea soviética cuja tarefa era estudar as instalações para a produção de paraquedas. Até então, ninguém tinha ouvido falar de paraquedas na URSS. Nos EUA, o visitante aprendeu não apenas como esses paraquedas eram feitos, mas também realizou um salto de teste. De tão inspirado com a experiência, o oficial se engajou na promoção a modalidade na Rússia e criou o primeiro esquadrão nacional de paraquedistas.

EUA em crise

Inicialmente, os norte-americanos estavam um pouco relutantes em discutir a possibilidade de vender aeronaves completas aos russos. Porém, a crise econômica os obrigou a fazer concessões.

Em 1934 começaram a chegar aos Estados Unidos delegações soviéticas com o objetivo de adquirir os exemplares mais modernos.  Essas delegações eram lideradas pelos proeminentes projetistas de aeronaves nacionais A.N. Tupolev, o pai do famoso TU, e M.I. Gurevitch, o criador do MiG.

Dois anos depois, um avião de carga DC-3, aviões anfíbios e um bombardeiro foram transportados dos Estados Unidos para a União Soviética. A joia da indústria aeronáutica americana não foi parar por pouco nas mãos dos soviéticos: o bombardeiro pesado B-17, que aterrorizaram as cidades alemãs e japonesas durante a 2a Guerra.

Ao contrário dos tanques, nenhum desses exemplares foi para a produção em série. No entanto, diversos elementos foram incorporados na produção das famosas aeronaves militares soviéticas.

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