Amor à prova de guerra

Já no primeiro ano após o término da guerra, o número de casamentos chegou a quase 85 mil Foto: Galina Kmit/RIA Nóvosti

Já no primeiro ano após o término da guerra, o número de casamentos chegou a quase 85 mil Foto: Galina Kmit/RIA Nóvosti

A Segunda Guerra Mundial tirou a vida de 19,5 milhões de homens e 6 milhões de mulheres na União Soviética. O desequilíbrio entre os sexos e o horror do conflito levou a uma queda acentuada da taxa de natalidade e à redução abrupta do número de casamentos. Mas relatos mostram que, mesmo naqueles dias terríveis, as pessoas não deixaram de se apaixonar.

Em 1941, havia 195,4 milhões de habitantes na União Soviética. Segundo o Serviço Federal de Estatística, se não fosse a guerra, o número de pessoas na URSS teria atingido os 209,9 milhões em 1946. Mas a história é inalterável: no ano seguinte ao término do conflito, o número de soviéticos havia caído para 170,5 milhões. Entre os homens, a perda foi ainda mais expressiva: 19,5 milhões de defensores da Pátria.

“A guerra provocou um tremendo desequilíbrio na proporção entre homens e mulheres. Além disso, nos primeiros anos de guerra as pessoas não pensavam em constituir família”, diz a psicóloga Elena Galístaskia. “Com o horror dos bombardeios, a morte de entes queridos, as evacuações e a fome, as pessoas só pensavam em como sobreviver.”

No dia 23 de junho de 1941 foram recrutados homens com idade entre 23 e 36 anos, e, em agosto do mesmo ano, o Exército ampliou o recrutamento para todos os homens entre 18 e 51 anos de idade. Mais tarde, a idade mínima caiu para 17 anos, mas a milícia popular aceitava voluntários de todas as idades.

“Quando eu voltar, a gente casa”

Enquanto os homens eram recrutados para o fronte, mulheres, crianças e idosos eram evacuados para áreas mais estáveis. A moscovita Larissa Zúbova, de 88 anos, guarda recordações escritas anos atrás.

“Terminei a escola no dia 22 de junho de 1941”, conta a aposentada. “Como era tradição, passeamos a noite inteira por Moscou. Quando regressava para casa, já de manhã, escutei no ponto de ônibus que a guerra tinha começado. Um mês depois, vieram os bombardeamentos, e eu e a minha mãe fomos evacuadas para Tashkent.”

Zúbova e sua mãe só puderam retornar à capital em 1943. Já em Moscou, as duas foram trabalhar em fábricas e fazer serviços de portaria. Nessa mesma época, parentes distantes pediram à jovem para cuidar de um adolescente cujos pais tinham sido mortos.

Foi justamente na comunalka [apartamento coletivo onde viviam várias famílias] onde estava o garoto órfão que ela conheceu o amor.

“Um dia fui até a cozinha e foi ali que conheci aquele que viria a ser o meu futuro marido. Junto com a mãe e a irmã, ele ocupava dois outros quartos no mesmo apartamento. Ele olhou para mim e disse de imediato: ‘Estou partindo agora para Kuibichev, mas, quando eu voltar, a gente se casa’”, recorda Zúbova.

O construtor de aeronaves Viktor Zubov manteve-se fiel à sua palavra e, em 18 de abril de 1944, a relação do casal foi oficializada.

“Como estávamos em guerra, não havia necessidade de entregar nenhuma declaração para casar, bastava ir lá e casar. Lembro-me que o Cartório de Registro Civil ficava em um porão sujo, e a certidão de casamento foi emitida em um papel tão ruim que um ano depois se desfez. Mas isso era trivial, o importante é que éramos felizes.” 

Bola para frente

De acordo com o Cartório Central de Registro Civil de Moscou, foram realizados quase 44 mil casamentos na capital em 1941. No ano seguinte, esse número caiu para 12.500, mas voltou a subir nos anos seguintes, chegando a 33 mil em 1944. Já no primeiro ano após o término da guerra, o número de casamentos chegou a quase 85 mil.

“Se no início da guerra as pessoas esperavam que ela não durasse muito e queriam apenas sobreviver, um ou dois anos depois ficou claro que a guerra não ia terminar tão cedo e que era preciso organizar a vida de alguma forma. Afinal, o ser humano não pode passar o tempo todo sofrendo”, explica a psicóloga.

Um ano antes do início da guerra nasceram em Moscou quase 110 mil crianças, mas, no pico do conflito, esse número diminuiu em mais de 70%. Um aumento acentuado só foi percebido em 1946 – quando os homens regressaram da guerra, a paz voltou a reinar e o nascimento de mais de 102 mil bebês mostrou que a vida estava voltando ao normal.

“Por mais assustador que possa parecer, nós já tínhamos nos acostumado à guerra e não estávamos dispostos a adiar a vida para mais tarde”, diz Zúbova, que teve um filho com o marido em janeiro de 1945. “Muita gente agora não consegue entender como a nossa geração decidiu ter filhos, simplesmente queríamos a felicidade das coisas simples.”

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