O “degelo” de Khruschov e o início de uma nova era na Rússia

Fidel Castro (esq.) e Nikita Khruschov (dir.) Foto: Getty Images/Fotobank

Fidel Castro (esq.) e Nikita Khruschov (dir.) Foto: Getty Images/Fotobank

Costuma-se chamar de fase do “degelo” na URSS o período que se estendeu desde meados da década de 1950 até meados da década de 1960.

Formalmente, a fase de “degelo” na URSS começou com a morte de Stálin, em 1953, e foi marcada pela desativação do Gulag (sistema de campos de trabalhos forçados onde a maioria era representada por presos políticos) e por um aumento da liberdade de expressão. A política externa da URSS deu uma guinada para o Ocidente e assumiu um curso em direção à "coexistência pacífica" com o mundo capitalista.

Cisão das elites

Aleksandr Píjikov, pesquisador sênior da Academia Russa Presidencial da Economia Nacional e da Administração Pública (RANHiGS), vencedor do prêmio Iégor Gaidar na área de História e autor do livro "Degelo de Khruschov dos anos 1953-1964", conta que após a morte de Stálin o governo foi obrigado a atenuar o regime e a implementar a reforma da desestalinização.

“Inicialmente, as autoridades queriam afrouxar o regime totalitário e se voltar para as melhorias das condições sociais da população”, diz o historiador. “Mas quando Khruschov chegou ao poder, ele decidiu ir além e começou a expor publicamente a personalidade de Stálin."

Leónti Bizov, pesquisador sênior do Instituto de Sociologia da Academia de Ciências Russa, concorda que a política ideológica de Khruschov não encontrou total apoio na sociedade.

“Quando acabou o ‘degelo’ e Leonid Brejnev chegou ao poder, muitos estavam esperando dele o retorno ao culto a Stálin, mas ele não se propôs a isso. Uma nova onda de revelações sobre Stálin começou já na época de Mikhail Gorbatchov."

Hoje, de acordo com Bizov, a maioria das pessoas na Rússia já não se lembra da personalidade histórica de Stálin. Para elas, ele representa uma espécie de sugestão às autoridades atuais para que atuem de maneira mais rigorosa e utilizem métodos inflexíveis para restaurar a ordem.

Comunismo, estalinismo, humanismo

Bizov considera que, do ponto de vista político, a fase do “degelo” deu ao projeto comunista a chance de se transformar em um regime humano: "A história se desenvolve de acordo com as leis do pêndulo. O primeiro ‘degelo’ na URSS ocorreu no início da década de 1920, após o regime terrorista do comunismo de guerra. Esse período durou até os anos de 1928-1929. Depois, tiveram início os tempos difíceis do regime estalinista, a Segunda Guerra Mundial e, então, novamente veio um ‘degelo’. A fronteira do ‘degelo’ na URSS foi demarcada pelo ano de 1968, quando o governo se assustou com os eventos na Tchecoslováquia e houve uma drástica intensificação da censura e da perseguição política."

De acordo com o especialista, a fase do “degelo” terminou, mas ela tinha criado toda uma geração dos anos sessenta que sobreviveu até as mudanças efetuadas por Gorbatchov e em muitos aspectos predeterminou a democratização do país.

Os russos se recordam do “degelo” como uma fase de liberdade, esperança e transformações. A moscovita Valentina Sadóvaia era estudante universitária durante este período a era Khruschov.

"Lembro-me de como o culto a Stálin era condenado e a anistia amplamente aplicada”,  ela escreve no livro “Memórias do Gulag e seus autores”. “Era possível comprar livros de Soljenítsin nas livrarias. Frequentemente íamos a exposições de arte. Sentimos a liberdade, deixamos de sussurrar e começamos a falar em voz alta."

Renascimento cultural

O período do “degelo” na URSS também foi marcado por um renascimento cultural. Era o tempo em que os escritores e poetas Bella Akhmadulina, Robert Rojdestvenski, Evguêni Evtuchenko, Andrêi Voznessenski estavam criando as suas obras. Entre os diretores de cinema da época estavam Marlen Khutsiev, Gueórgui Danelia e Leonid Gaidai. Na ciência também ocorreu um grande avanço. Foi criado o maior sincrotron (acelerador de partículas cíclico) do mundo, o que levou ao desenvolvimento de um novo ramo, a física das energias altas e ultra-altas, no âmbito da qual foi criado o primeiro maser (dispositivo que produz ondas eletromagnéticas através da amplificação de emissão estimulada; o laser é um maser que trabalha com fótons).

No setor espacial foram criados o míssil balístico e as estações automáticas para pesquisa da Lua, de Vênus e do espaço próximo à Terra e interplanetário.

A juventude de Liudmila Aleksêeva, presidente do Grupo Helsinque (ONG ligada a direitos humanos) de Moscou, também se passou durante o período do “degelo”.

“Após a morte de Stálin, a esperança de liberdade surgiu nas pessoas. As repressões em massa tinham acabado, mas a censura rigorosa, a intervenção na vida privada e as exigências para que a arte correspondesse aos cânones do Realismo Socialista, tudo isso havia permanecido”, ela recorda.

De acordo com Aleksêeva, o principal bônus que o “degelo” trouxe para a vida cotidiana do povo soviético foi a possibilidade de falar. As pessoas começaram a conversar umas com as outras, o que anteriormente não era comum.

"Graças ao ‘degelo’ nasceu o movimento de direitos humanos que existe até hoje na Rússia. Os defensores de direitos humanos de hoje são os herdeiros das ideias dos ‘filhos do degelo’. Em 1965, eu comecei a desenvolver atividades na área. No ano de 2015, estarei completando 50 anos de atividade a favor da luta pelos direitos humanos na Rússia."

 

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