Iconografia ganha novo fôlego na Rússia

Os preços das obras de arte sacra começam a partir de 5 mil rublos (US$ 120) Foto: TASS

Os preços das obras de arte sacra começam a partir de 5 mil rublos (US$ 120) Foto: TASS

A iconografia é um ofício que está ressurgindo na Rússia. Nos últimos anos, o número de especialistas nessa área cresceu bastante. Antigamente, apenas os monges se ocupavam de atividade, mas hoje em dia são as mulheres formadas em Instituições de Ensino Superior de Arte e em cursos especiais que realizam esse trabalho com maior frequência. A Gazeta Russa descobriu quem pinta os ícones para igrejas e clientes particulares.

O padre Aleksandr, um sacerdote ortodoxo, teve o primeiro contato com a iconografia nas aulas de História da Arte da Faculdade de Artes onde estudava. Mas foi quando analisava o ícone da Trindade de Andrêi Rubliov, exposto na Galeria Tretiakov, que ele teve consciência do valor espiritual da iconografia pela primeira vez.

“A princípio, eu estava analisando o ícone como artista, mas depois, por trás do brilho das cores, enxerguei uma luz interior e ela agitou todo o meu ser”, ele conta. “Eu passei a ver o ícone como uma fonte de luz, a fonte de toda a nossa vida. Andrêi Rubliov conseguiu desvendar o mistério da Santíssima Trindade e foi capaz de transmitir essa luz".

Enigma para os impressionistas

O sacerdote conta que as pessoas recebem educação em arte clássica e realista na Rússia, mas a iconografia, por muitos séculos, permaneceu como que oculta por uma espécie de cortina para o espectador. O interesse em relação às imagens religiosas surgiu na Rússia somente nos séculos 19 e 20, quando foram restaurados os trabalhos mais antigos. Até então os ícones tinham uma aparência muito escura por causa da tecnologia usada em sua criação.

"A questão é que os ícones eram cobertos com óleo de linhaça e ele ia escurecendo ao longo dos séculos. Com o passar do tempo, essas imagens escureciam e até ficavam enegrecidas”, diz padre Aleksandr. “Quando a camada enegrecida de óleo de linhaça era removida, revelava-se o brilho e o esplendor das cores. Descobria-se que as imagens brilhavam com toda paleta de cores."

Muitos dos impressionistas franceses, que buscavam a pureza e a harmonia de cores em suas obras, eram apaixonados pela iconografia da Rússia antiga.

"Henri Matisse estava muito interessado na iconografia russa e em compreender a sua cor. Através dele, muitos de nossos artistas também procuram desvendar o segredo da arte das cores do ícone russo”, explica o sacerdote. “O matemático Boris Rauchenbakh pesquisou os ícones russos e em particular o ícone da Trindade, de Andrêi Rubliov, de um ponto de vista matemático. Ele encontrou leis da matemática superior nessa obra."

O padre Aleksandr está convicto de que a intuição dos pintores de ícones russos era tão precisa que hoje ela pode ser descrita em termos científicos.

O sacerdote diz que, tradicionalmente, os iconógrafos eram monges que jejuavam e oravam por muitos dias antes de começar a pintar a face dos santos e só pegavam o pincel na mão quando começavam a sentir o "ressoar da graça do Espírito Santo dentro de si".

“A própria iconografia é também um mistério, muitos afirmam que é o Espírito Santo que conduz a mão do pintor de ícones. Isso acontece quando a nossa máquina humana funde-se realmente com a mão do Senhor”, explica o padre Aleksandr. “Mas tais casos são raros e podem ser chamados de Revelação Divina. É possível fazer uma cópia de um ícone antigo, mas ela não produzirá o mesmo impacto. O trabalho de pintar um ícone é um processo complexo que requer habilidade, um foco de oração interior, pureza de coração e pureza corporal. Não é para todos que o ícone representa um processo para conversar com Deus.”

O padre Aleksandr teve a sorte de participar da pintura do maior templo russo, a Catedral de Cristo Salvador. Junto com ele muitos outros artistas trabalharam na elaboração das pinturas e depois continuaram a exercer esse ofício.  

"Para muitos formandos, esse foi o primeiro trabalho e proporcionou a eles a oportunidade de continuar exercendo esse ofício no futuro”, diz o padre.

Uma cooperativa de iconografia

Na oficina de Ekaterina Ilinskaia são pintados ícones que atendem aos mais diversos gostos. E não são monges que trabalham lá. De acordo com o que conta Elena Petiaskina, artista da oficina, atualmente existem muitas oficinas de iconografia na Rússia e as tradições iconográficas estão sendo restabelecidas e se desenvolvem ativamente.

"Até cinco ou seis anos atrás, havia pouquíssimas oficinas e agora é até difícil contá-las. Nós pintamos os ícones com base nas tradições russas dos séculos 15 e 16, bem como no estilo mais tardio do século 19. Fazemos as pinturas em tábuas de tília utilizando têmpera e óleo e para o douramento usamos folhas de ouro", diz ela.

Elena afirma que depois de terem encomendado um ícone, as pessoas tornaram-se clientes regulares em 50% dos casos.

"As pessoas gostam de encomendar ícones dimensionados para os recém-nascidos, que são feitos exatamente na medida do comprimento do bebê, bem como ícones para a ocasião do casamento e ícones familiares, onde são representados todos os Santos, patronos dos membros da família”, diz ela. “Nossos clientes são pessoas comuns que querem adquirir uma relíquia de família, ou então dar um presente especial. A demanda para o nosso trabalho é bastante elevada.”

Antes de se tornar iconógrafa, Elena  havia sido professora em uma escola.

"Eu concluí a Faculdade de Pedagogia, com especialização em inglês e alemão. Passei um ano na Alemanha e depois lecionei em uma escola. Comecei a me interessar por desenho na qualidade de hobby. Eu tinha muita vontade de pintar ícones, mas não sabia onde aprender a fazer isso”, ela conta.

“Então, certa vez, vi um anúncio de cursos de iconografia. Acabei aprendendo e fui convidada para trabalhar na oficina."

Ela trabalha ali há mais de 5 anos e é especializada na pintura de roupas das imagens dos Santos. Toda a oficina funciona como uma cooperativa, um artista pinta os rostos, outro pinta o corpo, um terceiro faz o douramento e assim por diante.

"Cada um dos artistas faz no ícone o que ele consegue fazer melhor", observa Elena. Basicamente, são as mulheres que exercem esse tipo de atividade.

É interessante que Elena fez o seu primeiro ícone ainda na infância, para dar de presente a sua avó.

“Eu modelei uma plaquinha de argila, risquei uma imagem nela com um prego e depois pintei”, conta ela. “Me pareceu que ficou muito bonito. A argila não havia sido queimada, por isso esse trabalho não pôde ser conservado."

Valores

Os preços das obras de arte sacra começam a partir de 5 mil rublos (US$ 120), sendo que o preço máximo pode chegar até meio milhão de rublos (US$ 12,5 mil).

"Os preços de nossa oficina estão um pouco acima da média”, diz Elena. “Mas os ícones nunca foram baratos. Antigamente, as pessoas também tinham que ficar poupando durante anos para poder ter algo assim. Atualmente existe uma grande quantidade de ícones impressos que são bastante acessíveis, mas nós respeitamos totalmente as tradições. Aqui trabalham artistas, os ícones são decorados com prata e pedras preciosas, por isso o resultado final é totalmente diferente. Um ícone leva de dois a três meses para ser pintado.”

Elena conta que os estrangeiros que visitam a oficina não compram os ícones porque para eles os preços parecem excessivamente altos: “Isso não passa de um souvenir para eles."

 

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