Bollywood siberiano: o cinema na cidade mais fria na Rússia

Algumas pessoas conseguem ganhar a vida fazendo filmes na região Foto: Vladislav Moisseev

Algumas pessoas conseguem ganhar a vida fazendo filmes na região Foto: Vladislav Moisseev

Em Iakutsk, capital da República de Iacútia, as temperaturas no inverno podem descer até –65 °C e, no verão, atingir os 40 °C. Nesta cidade de solo eternamente gelado (o permafrost) no extremo da terra, se produzem há mais de 20 anos filmes na língua local que lotam as salas de cinema e retornam o investimento nas bilheterias.

Em Iacútia, praticamente metade da população é autóctone. A outra metade,  russa. Os pontos do ônibus são anunciados nas duas línguas, em russo e em iacuto, e os cardápios nos restaurantes também são bilíngues. O diretor de cinema independente Micha Lukatchevski, apreciado pelos críticos de Moscou, diz:

"Nós acreditamos mais na natureza, apelamos para ela. Quando saímos para uma viagem longa, alimentamos o caminho e o rio com panquecas, temos várias tradições desse tipo. E isso funciona. Se alguma coisa não sai como eu quero, eu vou conversar com o rio e lhe peço alguma coisa. Eu acho que Deus não é uma pessoa qualquer –Deus é a terra, a natureza que nos alimenta. Talvez devido a isso é que não tenhamos perdido nossa língua."

Cinema oficial

Na república, existe um estúdio de cinema estatal, o Sakhafilm, e muitos cineastas amadores. O Sakhafilm foi criado há 22 anos, depois do colapso da URSS. Nikita Arjakov é diretor desde a sua fundação e pretende fazer em 2015 o filme mais importante de sua vida:

"É um filme baseado no romance ‘Tigin Darkhan’, do nosso escritor popular Vasili Dalan, sobre o primeiro rei da Iacútia, antes da chegada dos russos."

O orçamento do projeto ficará entre US$ 5 milhões e US$ 10 milhões.

Foto: Vladislav Moisseev

Trata-se do segundo filme mais caro da história do cinema da Iacútia. O primeiro, “O Mistério do Gengis Khan”, foi dirigido pelo ministro da Cultura e Clarividência Espiritual da Iacútia, Andrêi Borisov, em 2009, por cerca de US$ 10 milhões.

Mas foi uma exceção. As produtoras privadas filmam com baixo orçamento.

Jackie Chan do Extremo Norte

Jackie Chan rega pepinos, Bruce Lee ordenha uma vaca e Sub-Zero, de “Mortal Kombat”, pode ser acidentalmente visto em um celeiro com feno. Os fanáticos da sétima arte nas longínquas terras do povo da Iacútia se vestem com as roupas dos seus ídolos e começam a lutar entre si pelo título de campeão. Este é o tema do filme "Heróis: A Luta Pela Taça".

O diretor amador Vásia Bulatov diz que ele e um amigo investiram 100 mil rublos (pouco menos de US$ 3 mil) no filme, que  foi exibido em três salas de cinema da cidade e lançado em DVD.

Como resultado, "Heróis" faturou mais de 5 milhões de rublos (cerca de US$ 142 mil).

Foto: Vladislav Moisseev

O estudante Vásia, que cresceu assistindo aos filmes de Jackie Chan e Jean-Claude Van Damme, gostava de lutar na escola. Um dia, pegou em uma câmera e começou a gravar os outros lutando.

"O meu amigo tinha uma câmera. A gente filmava principalmente curtas. Então, um dia decidimos fazer um longa, exibi-lo no clube e cobrar ingresso. Todo o povoado foi assistir", conta.

Para o seu filme seguinte, "Yakutsk 2053", Vásia pediu crédito. Mas o filme foi um fracasso de bilheteria, não conseguiu competir com o "Homem de Ferro 3", que estava passando na mesma época. Agora, Vásia está planejando filmar um seriado.

Pastores de renas e documentário falso

Xamanismo e mitologia rica: essa a ideia que muitos têm até hoje dos iacutos. Talvez seja por isso que um dos gêneros mais populares do cinema local seja o terror. "Naakhara", "Kharana Khos" e "Iakutsk Paranormal" são filmes de orçamento muito baixo. Mas essas produções de terror de 20 mil rublos (US$ 570) foram exibidas nas telas dos cinemas e ganharam imensa popularidade.

O diretor Kóstia Timofeev comenta sua produção:

"Existe uma crença entre os iacutos de que quando Jesus entra na água durante o batismo, todos os demônios da água vão para o mundo do meio. E se você sair no meio da noite enrolado em um cobertor e ficar sentado perto de um buraco no gelo, então esses demônios vão aparecer para bater na sua cabeça. Se você conseguir suportar a dor, eles te desvendam o futuro, mas se você não aguentar a dor, então eles levam a sua alma."

Foto: Vladislav Moisseev

O thriller "Atividade Paranormal" foi um falso documentário baseado em "A Bruxa de Blair". O filme custou a Kóstia 60 mil rublos (US$ 2.000) e rendeu nas bilheterias dois milhões (US$ 57 mil).

Os iacutos ainda não são ídolos

Algumas pessoas conseguem ganhar a vida fazendo filmes na região. Gueorgui Nikolaev trabalha no cinema Lena. Ele faz parte da equipe de seleção.

"Quando aparece uma obra local, a gente primeiro vê qual o tipo de filme. Se acreditamos no projeto, colocamos algum dinheiro nosso para publicidade e promoção. Éramos mais cautelosos para pegar os primeiros filmes, mas depois vimos que o povo vem e que a sala lota."

O cinema da Iacútia se encaixou no modelo de negócio dos cinemas locais. Mas pessoas que trabalham no cinema local ainda não se tornam ídolos. O cinema da Iacútia ainda tem muita estrada para alcançar Bollywood.

 

Publicado originalmente pela revista Rússki Reportior

 

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