Filme conta as histórias das mulheres sobreviventes do Gulag

Obra retrata tragédia até hoje não totalmente compreendida na Rússia e no resto do mundo Foto: arquivo pessoal

Obra retrata tragédia até hoje não totalmente compreendida na Rússia e no resto do mundo Foto: arquivo pessoal

Na origem "Mulheres do Gulag", da diretora norte-americana Marianna Yarovskaia e do historiador Paul Gregori, está um o seminário da Universidade de Stanford sobre regimes totalitários.

Estão chegando ao fim as filmagens do documentário "Mulheres do Gulag", da diretora norte-americana Marianna Iarovskaia e do historiador Paul Gregori. O filme retrata uma tragédia até hoje não totalmente compreendida na Rússia e no resto do mundo.

Na origem deste filme está um seminário da Universidade de Stanford sobre regimes totalitários. Depois de assistir a esse seminário, a documentarista de origem russa Iarovskaia pensou em um projeto do gênero da Fundação Shoah, de Spielberg, onde são feitas entrevistas com últimos sobreviventes ainda vivos do Holocausto.

"Para a Rússia, as repressões em massa ocupam uma parte bem maior da história do que o Holocausto. No entanto, por outro lado, ainda não existe até os dias de hoje nenhum grande museu ou monumento no centro de Moscou que nos faça recordar essa página da história. A falta de arrependimento global me surpreende", diz Iarovskaia.

As protagonistas do seu filme dizem mais ou menos a mesma coisa: se não se trabalhar, se não se curarem as feridas, se não se tomar consciência do passado, se não houver arrependimento dele, o país não terá futuro.

Recordar tudo

O parceiro de Iarovskaia neste projeto é o Dr. Paul Roderick Gregori, decano da Faculdade de Economia da Universidade de Houston, historiador e colunista da “Forbes”. Foi ele quem aconselhou Iarovskaia a estreitar o tema do projeto: não fazer um filme sobre as vítimas do Gulag no geral, mas precisamente sobre as vítimas mulheres –foram elas quem mais sobreviveram, as mulheres-testemunhas. Foi também ele quem escreveu o livro "Mulheres do Gulag", cujos capítulos serviram de base literária para o filme.

Ambas as famílias, tanto a de Iarovskaia como a de Gregori, têm relação com a repressão stalinista. O avô de Yarovskaia era um renomado ator do teatro Mkhat-2 e da Lenfilm. Mas por sua "linha política incorreta" foi enviado para uma região a 100 quilômetros de Leningrado e depois que regressou apenas lhe permitiram interpretar personagens negativos e fazer "inimigos do povo".

Quando começou a Segunda Guerra Mundial, ele se ofereceu como voluntário para ir para a frente e foi morto logo nos primeiros dias dos confrontos. Já o pai de Gregori, que vivia na cidade siberiana de Tchita, fugiu do exército vermelho depois da revolução e foi para a China. "Eu li nos arquivos da Hoover Institution o decreto de Stálin ‘Sobre os Harbinos que Regressam’. Todos eles foram condenados à morte depois de regressarem para a Rússia. Isso poderia ter acontecido com o meu pai se ele tivesse feito como muitos ‘harbinos’, que aceitaram o convite de Stálin para voltar para a Rússia para construir o socialismo", disse Gregori.

No Hoover Institution da Universidade de Stanford existe muito material sobre os Gulags. Foi precisamente lá –e na organização russa de defesa dos direitos humanos Memorial, assim como na Fundação Sakharov –que Yarovskaia, junto com a historiadora e investigadora da Stanford Natalia Reshetova, encontrou a maioria das protagonistas para o filme. O financiamento inicial para começar o projeto também foi disponibilizado por Stanford.

O dinheiro, no entanto, era insuficiente, então Marianna e Paul resolveram optar pelo “сrowdfunding”.

"Recebemos dezenas de milhares de dólares de pessoas da Rússia, dos países da ex-URSS e da Europa Oriental. Entre aqueles que doaram maiores somas para o nosso projeto estão os russos e os funcionários de língua russa do Google.”

Depois, o projeto recebeu também o apoio da fundação norte-americana National Endowment for the Humanities. O filme é produzido por Mark Jonathan Harris, vencedor de três Oscars por Melhor Documentário, e por Mitchell Block (dois Oscars). A equipe de filmagem é formada por cinegrafistas russos.

A vida após a catástrofe

O filme segue cinco histórias principais. Uma das protagonistas é Nadesjda Levítskaia, uma ex-assistente de Soljenítsin que passou no total dez anos em prisões e colônias prisionais. Outra é a camponesa Fiokla, dos Urais, que se viu desterrada para uma povoação de exílio especial do sistema Gulag. O seu pai foi fuzilado, enquanto Fiokla, na qualidade de filha do "inimigo do povo", foi levada para um campo aberto com outros desterrados e ali deixada sem quaisquer condições para sobreviver.

Fiokla, na qualidade de filha do "inimigo do povo", foi levada para um campo aberto com outros desterrados e ali deixada sem quaisquer condições para sobreviver Foto: Serguêi Amirdjanov

Antes de se separarem, o pai havia lhe dito: "Eu tenho apenas um pedido a lhe fazer: que você termine seus estudos. Porque uma pessoa instruída é mais difícil de ser reprimida." Ela, de fato, se formou e se tornou doutora em ciências. Fiokla dedicou a sua vida à reabilitação dos reprimidos. Na sua busca pela verdade, escreveu cartas para diferentes instâncias. E conseguiu reabilitar cerca de 500 pessoas.

Uma outra das protagonistas, a pianista Vera Hecker, foi presa simplesmente pelo fato de ter sobrenome alemão. Em 1941, então com apenas 17 anos de idade, foi condenada a cumprir dez anos nas colônias prisionais. Em sua defesa partiu a sua professora de música, que foi ao NKVD (Comissariado do Povo para Assuntos Internos, foi o Ministério do Interior da URSS) e disse: "O que vocês estão fazendo, que perseguem meninas em vez de defenderem a cidade do inimigo?". A professora também foi presa e exilada em Udmúrtia, onde acabaria por morrer.

Vera Hecker Foto: Anna Labúnskaia

"As pessoas eram despedaçadas”, diz Marianna. “Se aniquilava a vontade delas em resistir por muitas gerações. Isso se manteve no fundo genético do povo por muito tempo: se você resistir, você morre. Eu pude ver o quanto torceram o destino de cada uma delas, o quanto lhes dói. Uma coisa é sobreviver e outra coisa bem diferente é conseguir construir uma vida feliz. Muitas delas não têm filhos, nem família. Essas mulheres tiveram suas vidas despedaçadas e ninguém, por muitas décadas, se desculpou por sua juventude perdida, pelo sofrimento causado, pelo fuzilamento dos pais."

 

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