O oligarca que previu a Primeira Guerra Mundial

Em 1901, Bliokh foi indicado para o recém-criado Prêmio Nobel da Paz Foto: divulgação

Em 1901, Bliokh foi indicado para o recém-criado Prêmio Nobel da Paz Foto: divulgação

Duas décadas antes de 1914, grupo internacional de peritos financiado pelo oligarca Ivan Bliokh previu o futuro. Bliokh foi pioneiro do capitalismo russo e acumulou uma fortuna fantástica construindo ferrovias.

No final do século 19, quando a metralhadora e o avião, o rádio e o motor a gasolina só estavam saindo da fase de experimentação, e o Exército ainda não havia abandonado totalmente a tática da era napoleônica, o grupo de peritos de Bliokh previu o desenrolar das guerras do século seguinte.

Pode-se dizer que, com exceção apenas da bomba nuclear, quase tudo estava presente nessa “previsão”: fuzis automáticos de novas ligas de metais, mira óptica, equipamentos de visão noturna, coletes à prova de balas, exércitos formados por milhões de integrantes que travariam combates em frentes circundadas por arame farpado e que se estendiam por milhares de quilômetros.  

A palavra “tanque” ainda não existia, mas na previsão já havia surgido a descrição de “carretas blindadas de artilharia, autopropulsadas e invulneráveis a balas, estilhaços e granadas de luz”.

Também faltava quase uma década para que o primeiro avião do mundo, desenvolvido pelos irmãos Wright, realizasse o seu primeiro voo, e na previsão já despontava a seguinte afirmação: “Quem dominar o ar, terá o inimigo em suas mãos, pois o privará de meios de transporte pela destruição de pontes e estradas, queimará seus depósitos, afundará a sua frota, se transformará em uma tempestade para as suas capitais, trará confusão às fileiras do seu exército e destruirá este último durante a batalha e a operação de retirada”.

O resumo desses presságios foi uma clara alusão ao fato de que, no curso dessa nova e inédita guerra em escala mundial ,a “ordem cultural" existente seria varrida pelas “novas teorias de uma reviravolta social” – ou seja, revoluções.

Seis volumes

Nesse trabalho, Bliokh reuniu economistas, engenheiros e militares dos Estados-Maiores dos países europeus, principalmente da Rússia e da Alemanha. O resultado foi uma previsão exata da Primeira Guerra Mundial, em seis volumes. Em 1898, a primeira edição, intitulada “A futura guerra do ponto de vista técnico, econômico e político” foi publicada em russo, em São Petersburgo e, em alemão, em Berlim. Mais tarde, o livro foi publicado em inglês, francês e polonês.

Naquela época, os generais de todos os países ainda contavam com os ataques à baioneta. Enquanto isso, Bliokh já previa que toda a infantaria seria equipada com armas automáticas. Nos exércitos dos mais importantes países ainda era mantida uma poderosa cavalaria, sobre a qual os generais depositavam grandes esperanças. Porém, Bliokh previa que a cavalaria preservaria as funções de reconhecimento, mas os ataques arrojados a cavalo seriam coisas do passado.

O trabalho de Bliokh prevê “uma espécie de naus que se movem rapidamente pelo ar”, que ainda não existiam em 1898. Os termos “máquina voadora” e “aeroplano” também já estavam presentes no livro. Na verdade, ele apresenta a gravura fantasiosa “A destruição do exército a partir de uma máquina voadora” – um estranho aparelho, parecido com um disco voador com mastros, voando pelo céu, rodeado por aeróstatos e disparando de cima, com um canhão, contra as tropas inimigas.

O livro também fala que na futura guerra estariam atuando exércitos compostos por milhões de pessoas, que ocupariam frentes de até 1000 versta (antiga unidade de medida russa equivalente a 1,067 km). De acordo com Bliokh, qualquer ataque “será impossível sem perdas terríveis”, “na futura guerra, os ataques com o objetivo de ocupar as posições inimigas serão tão difíceis e sangrentos que nenhum dos lados terá condições de celebrar a vitória”.

Bliokh previu que os exércitos teriam que “resistir durante um inverno inteiro, talvez até dois”, ou seja, estava sendo anunciada uma guerra que iria durar muitos anos. Naquela época, mesmo os generais mais progressistas do Estado-Maior alemão estavam se preparando para guerrear por meio ano, no máximo.

O terceiro volume é dedicado à guerra no mar. “Em um futuro próximo, é possível prever a introdução dos submarinos.” Como foi previsto por Bliokh, os enormes encouraçados e navios de guerra se tornarão vulneráveis diante de grupos de submarinos, “navios inteiros poderão ser explodidos e voar pelos ares”.

“Os cálculos que nós efetuamos mostram que somente a Inglaterra poderia preservar o seu domínio no mar, em caso de uma guerra prolongada. Mas, por outro lado, a interrupção do transporte marinho de mercadorias traria maiores danos à Inglaterra”, escreveu Bliokh.

Terra sem profeta

Apesar das inúmeras previsões, o livro não obteve reconhecimento mundial. Bliokh era visto como um bilionário excêntrico. O autor de “Guerra do Futuro” esperava que, ao ler o seu livro, os governantes compreendessem a insensatez e a destrutividade de um conflito armado mundial. Mas os políticos não deram ouvidos às suas previsões.

No entanto, Bliokh participou da Primeira Conferência de Paz do mundo, em Haia, no ano de 1899. Apesar dele não ter sido incluído na delegação oficial, a conferência, da qual participaram 26 países, adotou, pela primeira vez no mundo, restrições militares que foram sugeridas por Bliokh: foi proibido (é verdade que somente por 5 anos) o “lançamento de projéteis e explosivos de balões ou com a ajuda de outros novos recursos semelhantes”; a utilização de balas e projéteis explosivos, “que possuem como único propósito a propagação de gases asfixiantes ou nocivos”. Cabe lembrar que na guerra real ninguém cumpriu essas restrições.

Em 1901, Bliokh foi indicado para o recém-criado Prêmio Nobel da Paz, mas não foi o vencedor. O suíço Henry Dunant, fundador da “Cruz Vermelha Internacional”, chegou à sua frente.

 

Confira o artigo na íntegra aqui (em russo) 

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