Barba, costeletas e cabeça raspada: o visual dos escritores russos

Mesmo aqueles que nunca leram em toda a sua vida nenhum livro russo, sabem mais ou menos qual o aspeto dos escritores do país. Os seus retratos foram reproduzidos tantas vezes quanto o logotipo da Coca-Cola ou a maçã da Apple. Não tem como não reconhecê-los.

O homem de pele morena com costeletas é o principal poeta russo, Púshkin. Um imenso velhote barbudo com camisa russa é o grande profeta Tolstói. E o enorme homem sombrio com a cabeça raspada é o arauto da revolução, Maiakovski.

A Gazeta Russa investigou o visual dos grandes nomes da literatura do país. 

Costeletas de Púchkin


Ilustração: Ekaterina Venedíktova

Um quarto de século atrás passou nos cinemas russos a comédia "Costeletas", que contava a história de um grupo de fãs de Púchkin. Eles deixaram crescer as costeletas para ficarem parecidos com o seu ídolo e espancavam brutalmente todos aqueles de quem não gostavam.

Na Rússia do século 19 se usavam diferentes tipos de costeletas: encaracoladas, lisas e exuberantes como um arbusto. Mas como ícone cultural sobreviveram apenas as costeletas de Pushkin, extremamente encaracoladas e densas.

A “tolstovka” de Tolstói


Ilustração: Ekaterina Venedíktova

Lev Tolstói usava uma tradicional “krossovorotka” (blusa tradicional russa), chamada de "tolstovka" (blusa de Tolstói) apenas por ter um corte mais livre. Depois de Tolstói, a blusa deixou de ser apenas uma peça de roupa e passou a adquirir carga ideológica. Afinal, ela era usada por um aristocrata russo, um conde, que tentava, na sua essência, se fundir com o povo. Ele ensinava os filhos dos camponeses a ler e até pegava no arado. Claro que muito disso soava a exibição, mas, por outro lado, estava de acordo com sua pregação durante a velhice em Iasnaia Poliana, a propriedade da família: quanto mais simples, melhor; quanto mais pobre, mais nobre.

Para os seguidores do escritor, que se reuniam em comunidades agrícolas e pregavam o pacifismo, o vegetarianismo e o retorno aos valores primordiais cristãos, a “tolstovka” se tornou quase um uniforme. Ela encarnava o homem das classes altas que tinha se juntado ao povo por razões ideológicas.

O pincenê de Tchekhov


Ilustração: Ekaterina Venedíktova

Tchekhov foi o principal representante da “intelligentsia” russa na virada do século. Foi médico, escritor e reformador do teatro contemporâneo. Toda a Rússia instruída lia as suas obras. A imagem do homem com um olhar inteligente e de pincenê permaneceu no coletivo russo como um sinal de cultura. Ainda hoje o povo acredita que se uma pessoa usa óculos significa que é uma intelectual; se usa pincenê significa que é uma intelectual do final século retrasado.

O bigode de Górki


Ilustração: Ekaterina Venedíktova

O escritor Maksim Górki, fundador do realismo socialista, leu muitos trabalhos de filósofos alemães na sua juventude. Por sua exuberância, o bigode dele podia ser comparado ao do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Provavelmente ele tenha mesmo se inspirado no filósofo alemão para deixar crescer tal bigode. Muitos jovens caíam sob a influência de Nietzsche, mas ao contrário de muitos, Górki se distinguia por sua persistência e por ser extremamente trabalhador –estava constantemente escrevendo livros e cuidando do bigode.

A cabeça raspada de Maiakóvski


Ilustração: Ekaterina Venedíktova

No filme "Costeletas", os fãs de Púchkin têm, no final, as suas cabeças rapadas à força. Depois desse acontecimento, eles se tornam fãs de Vladímir Maiakóvski. O poeta futurista russo, e um dos líderes da vanguarda do país, raspou totalmente a cabeça quando jovem. Seu pai morreu por envenenamento no sangue, causado por uma picada de agulha no dedo. O pequeno Maiakovski ficou tão impressionado com isso que desenvolveu bacteriofobia, isto é, medo obsessivo de contaminações.

E se a isso somarmos a epidemia de tifo que se alastrou na Rússia entre 1917 e 1921, fica explicado o seu corte de cabelo radical e o seu gosto maníaco pela higiene. Apesar dos motivos pessoais, a cabeça raspada de Maiakovski passou a ser associada ao radicalismo dos vanguardistas russos.

A barba de capitão de Soljenítsin


Ilustração: Ekaterina Venedíktova

No início de 1970, o vencedor do Prêmio Nobel de literatura deixou crescer uma barba de capitão de mar (sem bigode). Nos EUA, para onde Soljenítsin emigrou em 1976, as pessoas viam-no como um patriarca russo, um profeta bíblico barbudo (naquela altura, Soljenítsin já tinha deixado crescer o bigode). Por um lado, as pessoas escutavam o que ele dizia, mas por outro ele era extremamente incômodo. Um escritor soviético acarinhado no Ocidente deveria, supostamente, pregar valores liberais, mas Soljenítsin era um patriota russo, crítico em relação ao estilo de vida ocidental.

A Underwood de Dovlatov


Ilustração: Ekaterina Venedíktova

Serguêi Dovlatov deu a um dos seus livros o título "Solo na Underwood". Na Rússia, a máquina de escrever era um objeto bem mais importante do que nos países ocidentais. Nos países livres ela era apenas um aparelho técnico para datilografar textos, mas na União Soviética da censura as máquinas de escrever e os datilógrafos experientes valiam o seu peso em ouro. A literatura proibida era secretamente datilografada em várias cópias com papel carbono, sendo que as últimas cópias eram sempre difíceis de ler. Elas eram chamadas de "cópias cegas" e apesar da baixa qualidade as pessoas não deixavam de lê-las. Dovlatov nunca se separou da sua máquina de escrever e quando emigrou para os Estados Unidos, comprou um computador e entrou em um novo ciclo de contos: "Solo na IBM".

 

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