O milagre dos fabricantes de espadas medievais

Os escribas árabes as classificaram, junto com os exemplares francos, como superiores a qualquer outro tipo encontrado na Europa Foto: Fiodor Piatakov/RIA Nóvosti

Os escribas árabes as classificaram, junto com os exemplares francos, como superiores a qualquer outro tipo encontrado na Europa Foto: Fiodor Piatakov/RIA Nóvosti

A espada sempre representou um estatuto especial na Rússia. Era passada como um símbolo de poder, votos eram jurados sobre ela, e serviu até mesmo como moeda. Acima de tudo, era uma arma admirável, e a perfeição com que fora criada pelos mestres medievais russos encontrou poucos rivais à altura.

As crônicas russas são carregadas de referências a espadas. Príncipes russos eram enterrados com suas lâminas de confiança, e o príncipe Sviatoslav de Kiev chegou a lançar sua espada no rio Dnieper para não entregá-la ao inimigo. De um modo geral, as espadas eslavas eram apreciadas no mundo inteiro.

Os escribas árabes as classificaram, junto com os exemplares francos, como superiores a qualquer outro tipo encontrado na Europa, e os admiradores orientais até acreditavam que as espadas russas fossem “milagrosas” e possuidoras de poderes mágicos. A Rússia foi o primeiro país da Europa depois do império medieval de Carlos Magno a estabelecer uma produção organizada de espadas.

Com a marca de qualidade exclusiva dos ferreiros, a espada russa tinha por tradição cerca de 40 polegadas (100 cm) de comprimento, sua lâmina media entre 2 e 2,75 polegadas (5-7 cm) de largura e 0,25 polegadas (6 mm) de espessura.

A ponta não era afiada, já que um duro golpe era suficiente para decompor a mais resistente armadura. As espadas eram vendidas individualmente, uma vez que nem todos os soldados tinham a habilidade ou força necessária para empunhar a lâmina pesada de forma eficaz. Além disso, apenas as pessoas ricas podiam pagar por essas espadas, devido à complexidade e ao custo de trabalhar com aço damasco. Para esses indivíduos, um bom exemplar valia tanto quanto um cavalo de guerra.

Devido ao seu maior teor de carbono e processo de produção especial, uma espada de aço damasco tinha um padrão de superfície diferente e maior força. Podia cortar ferro e não quebraria mesmo se severamente deformada. Mas como o aço não reagia bem às baixas temperaturas, era inadequado para as condições climáticas da Rússia.

Para resolver o problema, os ferreiros russos entrelaçaram hastes de aço, que eram então marteladas. Depois de repetir o processo por dez vezes, o resultado era uma espada de aço damasco com força e flexibilidade extra. Longas tiras de ferro eram então soldadas a ela para dar o acabamento à lâmina. Praticamente à prova de corrosão, essas lâminas poderiam ficar “cegas”, mas jamais quebrar, e rapidamente retomavam a sua forma quando curvadas.

 

Este punhal foi presentado ao imperador russo Nikolai II pelo último imperador alemão e rei da PrússiaGuilherme II, em 1901 Foto: PhotoExpress

Uma lâmina de qualidade era julgada pelo som que produzia – um leve toque ressoava longa e claramente. Também se esperava da espada que fosse capaz de cortar de forma limpa tiras de tecido fino no ar. Em um testemunho de sua força e reputação, o khan da Crimeia, um profundo conhecedor de armas no século 15, também recebeu de um príncipe moscovita uma armadura feita de aço Damasco.

A produção de espadas de qualidade era como o trabalho de precisão de um joalheiro. Ferro e aço reagem a diferentes temperaturas, exigindo uma incrível habilidade do ferreiro. E embora eles trabalhassem apenas com um martelo e uma bigorna no século 10, suas espadas ainda eram superiores a todos as outras.

Espada de vanguarda

Séculos mais tarde, historiadores e cientistas permaneciam céticos de que os artesãos eslavos tivessem tais habilidades metalúrgicas refinadas na era medieval. No final do século 19, uma espada feita de aço damasco foi encontrada em um túmulo antigo em Kiev e, por mais de 100 anos, presumiu-se que tivesse tido origem na Escandinávia. Mas, após a limpeza, a marca do ferreiro na lâmina finalmente revelou que havia sido produzida em Kiev pelo ferreiro Liudota.

 

Imperador russo Nikolai II (dir.), ao lado dos reis da Inglaterra, Georg V (centro), e da Bélgica, Albert (esq.) Foto: RIA Nóvosti

No momento em que a espada russa foi transformada, tornando-se menor e mais leve, passou a ser cada vez mais utilizada também como arma de propulsão. A partir do século 15, a espada substituiu o sabre, antes de evoluir para um modelo mais pesado, do tipo facão, usado pela cavalaria.

Os mestres russos produziram aço damasco até o século 17. A técnica foi preservada em uma oficina no rio Volga, que fazia espadas para os primeiros tsares da Dinastia Romanov. Porém, a invenção do cartucho de munição no século 20 pôs um fim à evolução da espada.

O segredo do aço de Damasco ficou no passado, deixando para trás apenas exemplares individuais, e a memória e a lenda dessas lâminas únicas. Algumas pessoas chegaram a duvidar de que a técnica tivesse realmente existido até que fosse possível recriá-la, no final do século 20, com o uso de computadores e tornos modernos.

O tempo de sofisticação da espada russa já faz parte da história antiga. Mas, hoje em dia, os sucessores dos antigos ferreiros ainda criam magníficos exemplares de armas afiadas em fábricas de armas de São Petersburgo, Zlatoust e Tula.

 

Aleksandr Korolkov é doutor em Ciências Históricas.

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