Grandes nomes mostram sua apatia na Bienal de Moscou

Tom Molloy é um dos poucos artistas de viés político na mostra Foto: Víktor Vassénin/RG

Tom Molloy é um dos poucos artistas de viés político na mostra Foto: Víktor Vassénin/RG

Enquanto John Baldessari dizia não se sentir "pessoalmente ameaçado", curadores de sua mostra enfrentaram resistência de galeristas, que temiam emprestar obras devido à repressão russa.

Em sua quinta edição, a Bienal de Arte Contemporânea de Moscou, sob curadoria de Catherine de Zegher - que foi codiretora de arte da 18ª Bienal de Sydney, na Austrália, em 2012, e curadora-convidada do departamento de desenhos do Museu de Arte Moderna de Nova York -, abriu as portas do Manej Exhibition Hall no último 19 de setembro.

A seleção mostra trabalhos de artistas internacionais, porém com foco em arte contemporânea feita na Rússia e em seus vizinhos. Em 2013, 65 artistas e 16 coletivos de 33 países compõem o programa principal, que ainda oferece uma série de projetos paralelos.

Com o tema “Mais Luz” (Bolshe Sveta), a curadora descreve o evento como uma reconsideração de tempo e espaço em um mundo onde ambos parecem cada vez mais usurpados pela tecnologia e pela exploração. Tudo muito bonito, eu diria, para os que conseguem manter o mercado de arte separado da esfera sociopolítica. É aí que minha compreensão do evento me abandona.

O fazer artístico por definição deveria ser irrestrito, incalculável, livre, democrático. Arte deve ser provocadora,  questionadora. Mas também, e por que não, afirmativa. Arte que vale a pena não pode ser conformista,  mas instigante e inquieta.

O ultracelebrado artista americano John Baldessari, um dos convidados especiais da Bienal de Moscou deste ano, está apresentando seu mais recente repertório pela primeira vez na Rússia. Ainda na década de 1970, Baldessari queimou toda sua produção artística criada entre 1953 e 1966 em busca de uma experimentação que lhe permitiria “nunca mais fazer arte chata”. 

Abertura da Bienal de Arte Contemporânea de Moscou 2013 Foto: ITAR-TASS

Na verdade,  ele prefere usar o termo "cremação" para sua performace. Para quem não conhece seu trabalho, existe um vídeo disponível no youtube que recomendo: “A Brief History of John Baldessari”.

Em uma entrevista sobre sua mostra solo na Bienal, quando questionado sobre “o momento atual”, e se referindo à atmosfera de precaução em termos de expressão artística  na Rússia, Baldessari declarou: “Eu, pessoalmente, não tive nenhum problema. Mas sei que o clima está por lá.”

Os curadores de sua mostra, por outro lado, tiveram alguns percalços no caminho, como colecionadores que se negaram a emprestar obras para a mesma, manifestando preocupação com o clima político daquele país e relembrando a recente promulgação de uma lei nacional contra a “propaganda gay” e  a perseguição do coletivo Pussy Riot. 

Analisando esses fatos, o que preocupa é o clima de apatia instaurado no universo das artes,  onde artistas como Baldessari não se sentem “pessoalmente ameaçados”, especialmente enquanto outros são aprisionados e consumidos pela repressão daquele governo.

Arte de lado,  grandes ícones da cultura pop como Madonna e Lady Gaga tiveram seus vistos para o país revogados por terem violado as leis do país contra a propaganda gay. E até uma brasileira do Greenpeace, conterrânea minha de Porto Alegre, está detida na Rússia, investigada por pirataria após um protesto contra a extração de petróleo no Ártico.

Poderia citar com facilidade outros inúmeros exemplos que retratam o momento histórico que vive a Rússia de hoje.

No ano passado recebi uma amiga em Nova Iorque que está radicada na Rússia há muitos anos. Em nosso último encontro, a arte foi um tópico marcante.  Eu, envolvido com meus estudos em museologia;  ela,  literalmente apaixonada pela arte não conformista russa. E não a do período soviético, mas a nova.

Foi ela quem desvendou para mim mais profundamente o trabalho do Pussy Riot e quem me abriu os olhos para outro coletivo, o Voiná (também perseguido pelas autoridades russas por suas ações radicais e não conformistas. Veja: en.free-voina.org) e a beleza da artista Elena Kovylina, cujas perfomances confrontacionais se referem ao significado político da experiência de uma mulher na Rússia de hoje.

Essa mesma amiga manifestou claramente que, para ela, qualquer arte que não estivesse arraigada ao momento histórico, não teria importância. Radical, eu diria.

Todavia, apaixonadamente crente no poder transformativo da mesma, ela preencheu com seu entusiasmo todos os vácuos do pragmatismo da arte contemporânea e da apatia impregnada a esse mercado. Ao menos para mim, naquele instante. 

O crítico e teórico norte-americano Frederick Jameson disse: “É mais seguro agarrar o conceito de pós-modernidade como uma tentativa de pensar historicamente o presente em uma era em que se esqueceu como pensar historicamente”.

Ele fala exatamente da desconexão da produção artística com tempo e espaço, o que, segundo as palavras de Catherine de Zegher, seu programa principal “Mais Luzes” busca reconsiderar.

Porém, continua Jameson: “Neste caso, ou a pós-modernidade ‘expressa’ algum profundo e irrepreensível impulso histórico (em qualquer forma distorcida que seja) ou efetivamente o repreende e desvia, dependendo de que lado da ambiguidade que você por acaso favoreça”.

No caso desta Bienal, eu diria que a ambiguidade privilegia exclusivamente o mercado, enquanto aqueles que desafiam não suprimir o grito, o impulso, estão sendo convidados a se retirar ou eliminados um a um. Não pelo mercado da arte em si, mas, sem dúvida, em parte pela conformidade e apatia dos que o mantém.

 

Thiago Eichner é um artista brasileiro radicado em Nova York

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