Um hino contra a repressão - Parte II

Na Rússia contemporânea, pode-se ver que quase todas manifestações públicas contaram com apresentações musicais. Esse tipo de música de protesto vem sendo produzida nos últimos 60 anos, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, quando canções eram compostas pelos prisioneiros de Stálin, até chegar as bandas punk de hoje em dia, como o caso das polêmicas Pussy Riot. Confira a segunda parte do breve histórico produzido pela Gazeta Russa sobre essas músicas para perceber como o país caminha rumo a uma sociedade mais democrática.

Na década de 1980, havia surgido no país um novo estilo de rock nacional. Músicos aos vinte e poucos anos gravaram suas próprias músicas à moda do rock ocidental, punk, new wave e eletrônica, usando a língua russa como principal ferramenta de expressão. Ao observar as canções de protesto de rock durante essa década, é possível destacar um grupo de Leningrado chamado Televizor. O seu líder, Mikhail Borzikin, compunha músicas que eram muito diferentes de outras bandas underground soviéticas, porque ele já incluía o protesto político em suas letras. Logo, o Televizor começou a enfrentar problemas com a censura, pois certas músicas não eram “zalitovani” (com carimbo aprovado pela censura). O Televizor apresentava suas músicas mesmo assim, o que levou à proibição de apresentações ao vivo por seis meses no Clube do Rock de Leningrado.

  

Televizor – “Perca o controle” 
Fonte: Youtube

 

Vale a pena mencionar que todos esses problemas com a censura foram enfrentados pelo Televizor durante os tempos da perestroika de Gorbatchov, que supostamente professava mais liberdade e abertura na sociedade. Isso mostra como na Rússia as liberdades civis e a liberdade de expressão eram permitidas até certo grau. Outra canção do Televizor que criou muita polêmica foi “Seu pai é um fascista”. Todo mundo entendeu que a letra era destinada aos comunistas e burocratas soviéticos, independentemente de eles falarem sobre a democratização e as liberdades durante a perestroika. Devido à carga política em suas canções, o Televizor nunca se apresentou no rádio ou TV na época da União Soviética nem mesmo na Rússia atual.

  

Televizor – “Seu Pai é um Facista” 
Fonte: Youtube

  

Novo século

Uma série de protestos muito divulgada no final dos anos 2000 esteve associada com a defesa da floresta de Khímki., nos arredores de Moscou. Os manifestantes se opunham ao governo e às empresas privadas, que pretendiam construir uma estrada e, assim, destruir a floresta local. Em 22 de agosto de 2010, um show em apoio à floresta de Khímki foi organizado na praça Púchkin, em Moscou. Mas a polícia não permitiu que qualquer equipamento de sonorização fosse usado nesse show, gerando uma grande alvoroço com os músicos que estavam prontos para realizar a performance. Tudo acabou como um grande show “sem equipamento de som”, no qual músicos como a estrela de rock russa Iúri Chevtchuk, do grupo DDT, e a banda Barto se apresentaram de forma espontânea. Após esse evento, o Barto recebeu acusações criminais, porque um trecho da música “Gotov” (Pronto) foi considerado “extremista” de acordo com o Código Penal da Rússia.

  

Show de protesto na praça Púchkin Fonte: 
Youtube

Em 2010, as canções de protesto passaram a integrar vários protestos na Rússia. Nem toda manifestação de protesto podia contar com apresentações musicais devido a dificuldades técnicas ou de organização, contudo.

O maior protesto da história recente em Moscou aconteceu em 24 de dezembro de 2011. Essa manifestação exigia um processo eleitoral novo e justo, já que as eleições parlamentares para a Duma no dia 4 daquele mesmo mês tinham sido marcadas por grandes fraudes para legimitizar o poder do partido governista Rússia Unida. Mais de 120 mil pessoas foram às ruas em um evento que incluiu apresentações ao vivo de vários músicos entre os discursos políticos.

 

Aleksei Kortnev "Sasha andou pela estrada” (Dezembro, 2011) Fonte: 
Youtube

A natureza das canções de protesto modernas é muito eclética, e as músicas também são inspiradas em acontecimentos específicos. Por exemplo, o acidente de carro na praça Gagárin, em Moscou, onde um carro pequeno foi completamente esmagado pela limusine que levava o vice-presidente da petrolífera Lukoil, Anatóli Barkov. As duas mulheres que estavam no carro pequeno morreram na hora. As pessoas ficaram indignadas com o fato de a cobertura maciça ser conduzida de tal modo a proteger o vice-presidente da Lukoil e esquivá-lo da responsabilidade pelo acidente fatal.

Todas as imagens das câmeras de vigilância que deveriam registrar os eventos na praça Gagárin no momento do acidente simplesmente desapareceram. O conhecido músico Ivan Alekseev, da banda Noize MC, escreveu uma canção de protesto contra Barkov em apoio às vítimas do acidente. A canção foi chamada de “Mercedes S666”.

 

NOIZE MC - MERCEDES S666 Fonte: 
Youtube

Antes das eleições presidenciais de março de 2011, quando Vladímir Pútin já aguardava sua ascensão ao poder sem qualquer tipo de concorrência real, o ativista da oposição Aleksêi Naválni anunciou um concurso de vídeo com canções sobre as eleições dos “bandidos e ladrões”, referindo-se aos políticos do Rússia Unida. O vencedor do concurso foi um grupo chamado Rabfaq, que apresentou sua bem humorada “Nosso hospital psiquiátrico está votando em Pútin”. Rabfaq também fez apresentações ao vivo em vários protestos.

 

Vídeo oficial da banda Rabfaq  Fonte: 
Youtube 

O cantor de hip-hop Vassia Oblomov escreveu músicas inteligentes e cheias de críticas ao atual sistema usando várias técnicas, desde a incorporações de elementos de músicas de cadeia a sátiras e comédias leves. Em sua música “VVP”, em alusão às iniciais do presidente Vladímir Pútin, Oblomov faz observações críticas ao governo e conta com duas personalidades da televisão bem conhecidas na Rússia: Leonid Parfionov e Ksênia Sobtchak.

 

Vassia Oblomov, Leonid Parfenov, Ksenia Sobchak - “VVP” Fonte: 
Youtube

Os veteranos das Tropas Aéreas Russas (VDV) formaram um grupo musical chamado VDVchniki para compor músicas de protesto. Isso é pouco comum, já que as pessoas na Rússia pressupõem que os militares estão sempre do lado do governo, afinal, são eles que pagam os seus salários e lhe dão incentivos para manter certa fidelidade. Mas esse não é o caso desse grupo que pede para Pútin parar de mentir, roubar e destruir o país na canção “Tropas Aéreas contra Pútin”.

 

VDVshniki – “Tropas Aéreas contra Pútin” Fonte: 
Youtube



O grupo de punk rock Louna escreveu um manifesto pedindo para que os jovens roqueiros acordassem para “substituir o reino criminoso da década de 1990 e as ruínas morais dos anos 2000. A hora H chegou – com a raivosa e ativa década de 2010”. O Louna fez apresentações na Marcha dos Milhões, em Moscou, em junho de 2012.

 

Louna apresentea “Quem se não nós?” na Marcha dos Milhões, em junho de 2012 Fonte:Youtube



Nos últimos anos, cada vez mais se ouve uma retórica antiamericana em vários meios de comunicação controlados pelo governo. Desde programas de TV que lembram propaganda soviética durante a Guerra Fria a novas leis que proíbem a adoção de crianças órfãs da Rússia por famílias americanas. Ativistas protestam alegando que esse tipo de política nada mais é do que uma tentativa de desviar a atenção pública do enorme roubo de propriedade, dinheiro e recursos do Estado pelos chamados “Amigos de Pútin”. Segundo eles, isso faz com que a sociedade preste menos atenção à corrupção interna e passe a culpar os Estados Unidos por seus problemas. Nesse contexto, o grupo peterburguense Iejov Band protestou contra a propaganda antiamericana nos veículos oficiais, criando a música “United States of America”​​.

São muito outros músicos engajados em protestos na Rússia atual. Pela internet, eles conseguem se fazer ouvidos mesmo sem aparecer em canais de TV e estações de rádio controladas pelo governo. Essas vozes, contudo, ressoam a mesma necessidade: “Queremos mudanças!”

 

Perdeu a primeira parte da reportagem sobre as canções de protesto na Rússia? Clique aqui.

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