Quem são os hipsters russos?

O hipster representa a mais radical compreensão do espaço-tempo Foto: RIA Nóvosti

O hipster representa a mais radical compreensão do espaço-tempo Foto: RIA Nóvosti

Na Rússia, assim como no mundo todo, o termo hipster aponta para um paradoxo.

No ano 2000, o jornalista americano David Brooks afirmou que, pelo menos nos Estados Unidos, tornou-se muito difícil distinguir se uma pessoa é membro da contracultura ou do assim chamado “sistema”.

Em outros tempos, os boêmios usavam cabelo rastafári e frequentavam cafés artísticos. O sistema era cinzento e ia para a igreja. Mas com a chegada do século 21 todos parecem pertencer à contracultura. Banqueiros e desenvolvedores de software têm a mesma chance de ter tatuagens e citar Jack Kerouac como qualquer outra pessoa. Ideologia, se é que ainda existia, não veste mais uniforme.

A mudança que Brooks identificou ocorreu simultaneamente ao ressurgimento do assim chamado “hipster”.  Embora a palavra “hip” tenha surgido no início do século 20, o sufixo só foi adicionado na década de 1940. Nos anos 1940, o termo hipster geralmente se referia a jovens brancos de classe média ligados à cena do jazz.

Na década de 1950, o hipster passou por uma transição –ou ao menos o significado da palavra–, quando o termo passou a ser associado com um tipo de nomadismo motivado pelo uso de drogas, tipificado por escritores como Jack Kerouac e Allen Ginsburg.

E então repentinamente sumiu. O hipster foi posto em algo como um armazenamento criogênico para ressurgir apenas na década de 1990, quando assumiu uma estética um tanto mixada.

Em sua versão mais recente o hipster desfila uma miscelânea metonímica de influências. Eles fazem um enorme esforço para juntar quase todos os movimentos de contracultura do século 20 em um único estilo. Às vezes em um único visual. O hipster representa a mais radical compreensão do espaço-tempo. Ele roubou o cardigan de Sylvia Plath, é coroado com a franja dos Beatles e, debaixo dos óculos “wayfarer” de Dylan, ostenta um bigode típico dos policiais de programas de TV dos anos 1970.

Alternativamente, o hipster surge com o pulôver da avó e um lenço palestino. Com seu iPhone ele tira fotos de si mesmo fumando Gitanes e guardando uma biografia do Che em uma bolsa unissex da Vila Sésamo em estilo kitsch. Estará ouvindo as antigas do Grizzly Bear e parecendo Grizzly Adams no início da carreira.

O hipster parece, em outras palavras, estar entre uma pessoa que assistiu a todos os programas de televisão dos últimos 50 anos e alguém que nunca viu um aparelho de TV. A intenção é impressionar –e ele consegue.

Na Rússia, o termo “stiliagi” foi usado na era soviética, particularmente nos anos 1950, para descrever –muitas vezes de forma depreciativa– uma subcultura jovem obcecada por moda e música, especialmente jazz.

Meio século depois, nasceu o hipster russo. Seria ele uma cópia ou apenas um primo da criatura que encontramos no Ocidente? Ou será que eles não têm relação nenhuma exceto pelo nome?

No final da década de 1980, alguns economistas e teóricos sociais se encantaram com o termo “glocalização” –uma junção feia de globalização com localização que se refere à maneira como culturas regionais domesticam e modificam tendências mundiais.

O termo é estranho, mas provavelmente o mais adequado para se usar nesse caso. Os hipsters russos são, sem dúvida, um tanto voltados para o Ocidente, apesar de que seria um erro vê-los simplesmente como extensões ou fraudes de algum “império” cultural ocidental. Ainda não envergonhado pela exaustão das grandes marcas, o hipster russo é muito mais propenso a visitar o Starbucks do que sua contraparte ocidental.

Não é que o hipster ocidental rejeite o consumo. Na verdade, como parte da “Geração da Barba”, o único consumo que o homem moderno ocidental rejeita de forma consistente é a lâmina de barbear (que certamente deve estar causando angústia considerável na Gillette).

A verdade é que ele tem mais sensibilidade acerca da relação entre marca e cultura, especialmente a cultura de massa. Para o hipster ocidental, Starbucks deve ser recusado, porque é a condição sine qua non de "capitalismo corporativo" e “plebeanismo” ‒o tosco café de shopping center com letreiros em neon. Hipsters russos são um segmento da primeira geração pós-soviética da Rússia, que cresceu com o capitalismo e não herdou as formas esotéricas de diferenciação entre as marcas, tão estimadas entre seus homólogos ocidentais. Presumivelmente, isso ainda acontecerá.

Iúri Sapríkin, ex-diretor editorial da revista de entretenimento russa Aficha, afirma que encontrou pela primeira vez a palavra "hipster" na mídia do país em 2003. Primeiramente, ela apontava para um estilo de moda que pouco diferia do que pode ser visto em qualquer outro lugar do mundo. Dentro de alguns anos, no entanto, o termo tornou-se pejorativo.

Essa mudança não ocorreu apenas para a imprensa, mas também para os próprios hipsters, alguns dos quais ganharam visibilidade através da participação em manifestações públicas e ações de apoio a figuras de oposição. Segmentos dos meios de comunicação russos alegaram que o que estava em questão não era, de fato, comprometimento político, mas ações decadentes de fashionistas impulsivos, participando de mobilizações políticas pela simples razão de que aquilo parecia ser legal.

Mais seriamente, para alguns, os hipsters eram a encarnação da temida figura do “demchiza”: pessoas que, no caminho para a democracia liberal, de alguma forma perderam a razão.

Mas se o termo hipster havia se tornado ridículo na mente de alguns jornalistas russos, tornou-se ainda menos aceitável na mente dos próprios hipsters.

 

Chris Fleming é professor de Ciências Humanas, Comunicação e Artes da Universidade de Western Sydney

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