Livro investiga os significados por trás das capas de “Lolita”

“Lolita – História da Moça da Capa: O Romance de Vladímir Nabokov na Arte e no Design” traz ensaios de designers de livros, artistas e estudiosos sobre a dificuldade de capturar a essência da personagem clássica do escritor russo nas capas das inúmeras edições do livro.

Editado em Nova York, “Lolita – História da Moça da Capa: O Romance de Vladimir Nabokov na Arte e no Design” (Lolita – The Story of a Cover Girl: Vladimir Nabokov’s Novel in Art and Design) traz ensaios de designers de livros, artistas e estudiosos da obra de Vladimir Nabokov sobre a dificuldade de capturar a essência da personagem clássica do escritor russo nas capas das diversas edições do livro.

Iúri Leving, estudioso da obra de Nabokov e um dos editores da obra, conversou com o “Lenta.ru” sobre a história de meio século do livro e de suas representações visuais.

Lenta.ru - Nabokov sempre foi muito rigoroso com o visual de seus livros. O que ele dizia sobre isso? O que era para ele o mais importante numa imagem, num quadro ou num filme?

Iúri Leving - Ele foi aluno do genial Dobujínski, apesar de não ser muito aplicado. Não gostava da arte abstrata. Adulto, adorava tirinhas. No cinema, preferia comédias e dizia coisas desagradáveis da adaptação de “Lolita”, por Stanley Kubrick. Costumava afirmar que aquilo fora “filmado com a visão de um passageiro deitado numa ambulância”. Via a divulgação comercial de “Lolita”, através de capas com meninas em posições provocantes, como um mal inevitável para aumentar as vendas.

Como Nabokov encarava as tentativas de “tornar visível” o seu texto? Não achava que a capa remetia “Lolita” para uma única ideia, a do sexo?

Nabokov era categoricamente contra as capas do livro que apresentavam jovens meninas. Posteriormente, porém, encarava as “ninfetas” nas capas de “Lolita” com uma certa condescendência.

O que faziam os ilustradores para darem a entender de que se tratava de sexualidade infantil e não de sexualidade em geral?

Só no continente americano, “Lolita” vende 50 mil exemplares por ano. O romance vai continuar a atrair leitores seja qual for a ilustração da capa. Portanto, a alusão à sexualidade infantil através de batom ou de doces não passa de uma concessão ao convencionalismo.

Um ótimo exemplo são as ilustrações das obras de Nabokov publicadas na “Playboy”. Nos anos 1960, a redação encomendou a Robert Parker e Roland Ginzel ilustrações para os romances “Desespero” e “Observador”, bem como para fragmentos de “Ada”. São conhecidas as opiniões negativas de Nabokov sobre tais trabalhos. Num telegrama, ele criticou um ilustrador por ter desenhado Ada com seios irreais, aconselhando-lhe lições de anatomia. Classificou também de “dois sapos odiosos” os amantes trocando beijos fogosos que viu numa ilustração.

Caso curioso passou-se com o conhecido ilustrador John Gall, a quem a respeitável editora Random House encomendou um trabalho. No início, Gall desenhou um grande plano vertical de lábios femininos para a capa de “Lolita”. A imagem prestava-se a um duplo sentido, pois tanto lembrava lábios da boca como lábios vaginais. As reações a esta ousada solução foram opostas: um dos redatores ficou furioso; outro pediu ao ilustrador uma cópia para emoldurar. Afinal, o livro acabou por sair com aqueles mesmos lábios, só que na posição horizontal.

Qual é a sua impressão das capas russas?

A esmagadora maioria usa imagens já existentes: pinturas clássicas, ninfetas, fragmentos de cartazes publicitários. Existe uma categoria à parte das capas russas: sem grande imaginação, dão-nos uma carreira de quadros de filmes de Hollywood. No final do século passado, na onda da popularidade da segunda adaptação da novela de Nabokov pelo realizador Adrian Lyne, saíram pelo menos seis edições russas com as caras dos atores Jeremy Irons e Dominique Swain, que protagonizaram o filme. A propósito, nos cinemas americanos, a obra de Lyne foi um desastre de bilheteira. A dias da pré-estreia, o Congresso dos EUA aprovou uma lei contra a pornografia infantil, e os distribuidores assustaram-se. Em contrapartida, na Rússia dos tempos de Iéltsin, nada atemorizava os distribuidores.

A maneira como os editores russos encaram Lolita coincide com a opinião de Sergûei Dovlatov, que viu na personagem de Nabokov uma mocinha tipicamente russa. Os ilustradores ofereciam-nos uma menininha vestida com um terninho de marinheiro, tendo como fundo bétulas russas.

Aconteceram coisas curiosas. Por exemplo, a edição de “Lolita” de 1997 (na coleção “Prosa Russa de Amor do Século 20”) aproveita o fragmento de um cartaz de meados do século 19 fazendo publicidade de colarinhos de camisa de homem em que se vê o perfil de uma menina encantadora. A capa do livro mostra apenas uma graciosa cabeça feminina, embora o autor do cartaz, Joseph Leyendecker, queira atrair a atenção para o homem colocado atrás da menina.

Entre as capas impróprias temos uma do ano 2000. A figura principal, de um quadro de Gustav Klimt, está cortada pelos joelhos e tem a região do baixo-ventre atravessada pelo logotipo da editora Eksmo. Outro caso: é impensável que  qualquer editora ocidental publique na contracapa a fotografia de uma adolescente nua, como fez a editora moscovita TF-Progress. Não é uma imagem estilizada, nem um desenho, mas a fotografia contemporânea de uma adolescente completamente nua, o que distorce a compreensão do romance.

Uma boa capa provém de uma colaboração criativa, devendo ser exuberante na cor e original. No entanto, quanto mais complexo for o romance, mais difícil é para o ilustrador expressar a ideia principal e, simultaneamente, a sua tendência artística. Ainda por cima, tem de agradar ao editor e ao futuro comprador, tudo isso no quadro de duríssima concorrência num mercado em permanente declínio.

“Lolita” é uma obra complexa, pois obriga-nos a definir a nossa relação com cada uma das personagens, a superar a atração estética do texto e a orientamo-nos num verdadeiro labirinto ético: simpatizamos com quem, com Lolita ou com Humbert? Quem seduziu quem? Como tratar o mundo pegajoso e vulgar da América puritana dos anos 1950?


 

Publicado originalmente pelo Lenta.ru

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