Desbravando a natureza da arte

Instalações acústicas tiveram destaque no ArchStoyanie 2013 Foto: Serguêi Mikheiev / RG

Instalações acústicas tiveram destaque no ArchStoyanie 2013 Foto: Serguêi Mikheiev / RG

Instalações acústicas e naturais, poesia moderna e documentários se uniram no ArchStoyanie, um festival de três dias de arte e arquitetura em Nikola-Lenivets, uma aldeia situada a quatro horas de viagem de Moscou.

Um dos destaques do evento anual que chegou ao fim no último domingo (28)  foi a obra de arte “Duas esferas”, concebida pelo artista multimídia alemão Julius von Bismarck. Nela, uma esfera de metal caia de uma altura de 14 metros contra o chão, causando um miniterremoto e jorrando lama para todos os lados. Mas essa foi apenas umas das tantas atrações do ArchStoyanie.

Realizado pelo oitavo ano consecutivo, o festival de verão ArchStoyanie atrai tanto os fãs de arte contemporânea como pessoas que simplesmente se sentem como fazer uma viagem pelos cantos remotos do mundo.

O nome do festival pode ser traduzido como “Permanência Arcaica”, que é uma referência ao evento histórico que aconteceu há mais de cinco séculos – o Grande Permanente do rio Ugra –, um confronto sem derramamento de sangue entre Khan da Horda de Ouro, Akhmat, e Grão-duque Ivan III da Rússia em lados opostos do rio Ugra. Trata-se de um afluente do rio Oka, ao longo do qual corria a fronteira do Ducado de Moscou. No outono de 1480, esse acontecimento marcou a queda final da Horda Dourada dos tártaros.

Sem “land art” russa

As instalações de arte natural pontilham a paisagem pitoresca ao redor da aldeia Nikola-Lenivets, que foi transformada em uma colônia de artistas ao longo da última década.

A maioria das instalações ao ar livre foram criadas por Nikolai Polísski, um artista que se mudou para Nikola-Lenivets em 1989. Em entrevista à Gazeta Russa, ele lamentou o fato de não existir um conceito de “land art russa”. A “land art” tradicional é uma forma de arte que utiliza materiais do ambiente natural, como feno, troncos, detritos do solo e argila.

 “É uma pena, considerando que temos vastos territórios. Mas, durante os tempos soviéticos, isso era proibido e pouco mudou até agora”, disse ele, acrescentando ter sido o primeiro a tentar criar uma “land-art” na região.

De acordo com Polisski, ex-membro de um coletivo de arte soviética underground conhecido como Mitki, essas obras não exigem um espectador, mas são criadas somente para a autoexpressão. Por isso também são chamadas de “arte pura”. Mesmo Nikola-Lenivets, em sua opinião, se enquadra na categoria de “arte pública”, embora, para instalar Bobur, um objeto inspirado no Centro Georges Pompidou, de Paris, o artista tenha sido obrigado a pedir permissão ao novo proprietário do terreno – o bilionário Maksim Nogotkov, que comprou Nikola-Lenivets em 2011.

As instalações de arte natural pontilham a paisagem pitoresca ao redor da aldeia Nikola-Lenivets, que foi transformada em uma colônia de artistas ao longo da última década

Esse tipo de arte já existe no Reino Unido e nos EUA há mais de meio século, mas na Rússia começou apenas nove anos atrás. Atualmente, Polísski e sua equipe de “camponeses”, agricultores locais das aldeias vizinhas que ajudam a construir os objetos, são os únicos russos convidados a exibir seus trabalhos de “land art” em grandes mostras fora da Rússia, como a Bienal de Veneza e a Art Basel de Miami.

Até mesmo o ex-pensador do Kremlin, Vladislav Surkov, escreveu certa vez um ensaio sobre a arte de Polisski como uma expressão do espírito russo.

Arquitetura sem arquitetura

Neste ano, não houve novas instalações, embora o Archstoyanie seja conhecido por exibir suas movidades arquitetônicas todos os anos. “Um curador de Moscou organizou um evento de mídia para os moscovitas, e eles viajaram cerca de 200 quilômetros para chegar aqui”, acrescentou Nikolai Polísski, conhecido carinhosamente pelos locais como “Tio Kolia”.

A recém-nomeada curadora Katerina Bochvar decidiu se concentrar em várias performances e instalações. Além disso, os organizadores do ArchStoyanie alegaram que essas performances só seriam disponíveis para os visitantes do festival e não seriam repetidas em qualquer outro lugar.

“Fora da floresta”, idealizado pelo diretor de arte de Valentin Tszin, emprestou seu nome a todo o festival: uma performance de 12 horas de duração mostrava o vínculo indissolúvel entre um artista e sua criação, metaforicamente descrito como uma floresta escura. Cerca de cem pessoas vestindo trajes preto e branco participaram da performance, parecendo mais zumbis do que pessoas reais.

Uma das apresentações contou com mais de uma dúzia de poetas lendo seus poemas por uma hora para um ouvinte solitário na rotatória de Aleksandr Bródski, que aparece no meio de um campo vazio.

Para quem não conseguia partilhar um livro mesmo no coração da natureza, o arquiteto Boris Sverdlov e o editor Boris Kuprianov, um dos iniciadores e desenvolveres da reforma das bibliotecas de Moscou, organizaram nove campos com quartos de leitura. Só ali os visitantes podiam ler através de um telescópio ou na copa das árvores.

Uma das partes mais impressionantes do festival foram as instalações acústicas. Você já pensou vegetais falantes podem existir de verdade? A obra ‘Arquitetos congelados” decidiu que os vegetais podem se comunicar com seus companheiros artificiais – abóbora, melancia e berinjela – que estavam lendo peças de literatura em voz alta a maior parte do dia.

E se o piano produzisse vozes de animais em vez de notas, tocando “Sonata ao Luar”, de Beethoven, com o rugido de um tigre. Tal objeto de arte criado pelo grupo artístico Electroboutique era tocado por um homem vestido como  “Lechy”, um espírito masculino na mitologia eslava que protege os animais selvagens e as florestas.

A dupla de artistas nus juntamente com a performance poética na noite de domingo foi o ponto alto do Archstoyanie. Uma menina jovem, de cabelos compridos e pele branca feito mármore, permanecia deitada sobre um caminho de palha e mais parecia uma criatura de conto de fadas. Outro artista nu, o moscovista Fiódor Andreevitch, decidiu se enrolar em uma rede e se pendurar no ar no “Arco”, de Boris Bernaskoni, que lembra um grande portal.

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