Conheça a tradição russa dos acampamentos dos pioneiros

Foto: ITAR-TASS

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Os acampamentos infantis que surgiram na União Soviética existem até hoje, combinando descanso saudável, disciplina e a tradição informal das travessuras, que já dura décadas.

Na União Soviética, o principal prêmio para um estudante era uma estadia em um acampamento de pioneiros em algum lugar no litoral ou à beira do mar. Isso, no entanto, era difícil e caro: a maioria das crianças ia para os acampamentos perto de casa, na floresta mais próxima, às margens de um rio.

Se descrevermos a vida nos acampamentos de pioneiros de maneira simplificada, podemos dizer que se tratavam de lugares que incluíam programas com atividades de lazer e de promoção à saúde. 

O regime nesses acampamentos assemelhava-se ao militar. Tudo de acordo com o regimento interno: toque da alvorada, café da manhã, almoço, brincadeiras, jantar, toque do silêncio.

O verão era dividido em três períodos, cada um com duração de três semanas. Geralmente as crianças passavam apenas um período, mas algumas ficavam no acampamento durante todo o verão. Na década de 1980, existiam mais de 40 mil campos de pioneiros na União Soviética, onde descansavam cerca de 10 milhões de estudantes.

A organização dos pioneiros deixou de existir, mas os acampamentos sobreviveram e neles pouca coisa mudou. Sobreviveram também as tradições informais.

Lista das cinco maiores travessuras dos acampamentos:

1 - Pasta de dentes. Considera-se que o mais chique é espremer a pasta na palma da mão da pessoa adormecida e depois fazer cócegas em seu nariz ou bochecha. A “vítima" fará todo o trabalho sozinho.

2 - O teto que abaixa. Estende-se um lençol sobre a pessoa adormecida e, em seguida, ela é acordada bruscamente com os gritos: “Levanta depressa que o teto está abaixando!"

3 - A guirlanda de roupa. À noite, todas as roupas que se encontram no quarto são atadas em forma guirlanda, com a qual enfeitam o ambiente. Pela manhã a pessoa não consegue se vestir enquanto não desatar a guirlanda.

4 - Coceira. Coloca-se chá, a granel, sob o lençol. A pessoa fica se coçando e se   revirando a noite inteira.

5 - Retirada do corpo. Se a “vítima” tem um sono profundo, ela pode ser transportada para o corredor ou para o banheiro junto com a cama. Quando a noite está quente, deixam a “vítima” até na rua.

A primeira coisa que vem à memória de praticamente todos que já descansaram em um acampamento pioneiro é o creme dental. Todos eram sujos com o creme durante a noite, a principal diversão secreta das crianças. Os meninos se esgueiravam para o quarto das meninas e passavam creme dental em seus rostos.

O procedimento contava com toda uma ciência própria. A pasta no tubinho está fria e se você espremê-la diretamente no rosto, a “vítima” acordará imediatamente. Então, o tubo tinha que ser pré-aquecido junto ao próprio corpo. Todo esse processo era chamado simples e laconicamente de "besuntar". “Hoje vamos besuntar as meninas”, combinavam os meninos. “Ah, hoje besuntaram a gente”, diziam as vítimas.

A estudante Victória relata:

"Durante cinco anos consecutivos,  fui aos acampamentos infantis. Todos os dias havia algum tipo de evento, como discotecas, ou um alguma festa temática. Frequentemente jogávamos cartas ou outros jogos com a turma. Os próprios monitores apoiavam o esquema de brincadeiras.”

Em todos os acampamentos, existe a chamada de "Noite da realeza”, a última noite do período. É o momento de se fazer um desejo, dizer adeus ao acampamento –se ele ficar no litoral, há todo um ritual para se despedir do mar.

Nessa noite, é realizado um esforço para fazer com que as crianças menores durmam mais cedo. Com essa finalidade, no início da noite, elas são levadas, uma a uma, para percorrer “a trilha dos desejos”. Depois disso, elas devem permanecer caladas até a manhã seguinte, caso contrário o desejo não se realizará. É natural que adormeçam rapidamente, em completo silêncio.

As crianças mais velhas, que não dormem, acabam ficando acordadas a noite toda para aproveitar ao máximo.  

"Tentávamos ocupar as crianças ao máximo", conta Ivan, que trabalhou como monitor de acampamento quando cursava Pedagogia na universidade.

“Eu percebia que era impossível proibi-los de fazer alguma coisa, só podia negociar com eles. Tive sorte, pois no meu grupo havia crianças de 12 e 13 anos. Nessa idade eles já não são mais tão incontroláveis como as crianças pequenas, mas ainda não apresentam a rebeldia dos adolescentes. Eu dizia para eles que não me deixassem em situação difícil diante dos meus chefes, assim eu, à medida do possível, deixaria que fizessem o que queriam e amenizaria as reivindicações dos supervisores”, conta. 

O acampamento das crianças é um empreendimento exclusivamente social, que não traz nenhum lucro. Agora, eles são mantidos apenas por grandes empresas e por ministérios e outros órgãos do governo.

Com o passar do tempo, no entanto, muitas empresas têm se recusando a manter os acampamentos, pois é economicamente mais vantajoso comprar para os filhos de seus funcionários estadias em acampamentos de terceiros do que sustentar ao longo de todo o ano um amplo local mais o quadro de funcionários.

Seja como for, todas as crianças que passaram férias nos acampamentos de pioneiros guardam na memória essa experiência como uma das impressões mais vívidas de sua infância.

 

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